Sobre

O paciente palestrava com o psicanalista:
— Você leu “Os irmãos Karamázov”, de Dostoiévski?
E o especialista, ajeitando-se na poltrona:
— Não.
— Bom, então vá escutando. Ontem eu terminei a leitura e descobri o seguinte: Deus é mudo. Nós, homens, somos por excelência os seres da palavra, e nosso fado é morrer imersos no falatório. Deus, por sua vez, recusa-se a falar, porque o verbo é característico do desgraçado; em silêncio, ele apenas observa, e quando se manifesta não produz ruído nenhum.
O psicanalista respondeu:
— Interessante. E acha que isso tem alguma relação com o seu pai?
— Não. Mas é o seguinte: lendo Dostoiévski, senti nojo da palavra. Você é, além de meu psicanalista, meu amigo pessoal e, sendo esta minha última consulta, afirmo-lhe: de minha boca nunca mais sairá um vocábulo — disse, levantou-se e, em silêncio, abandonou o consultório.

(Casos, 2020)