Eram grandes artistas a comandar os teatros

Quando se olha para trás e se nota que, há não muito tempo, eram grandes artistas a comandar os teatros, definir-lhes a programação e, portanto, determinar as obras com as quais o público entraria em contato, percebe-se que, em algum momento na história, mudou-se a ordem e a grande arte desapareceu dos cartazes. Salvo exceções honrosas, o que houve foi uma inversão completa: antigamente, o diretor do teatro selecionava o que o público veria; agora, é o público que dita o que o diretor tem de apresentar. Assim, os mesmos estabelecimentos antes consagrados à arte tornaram-se casas de entretenimento. É como se o mundo moderno já não visse potencial educativo na arte, concentrando-se em outros interesses. Se algo há de se concluir é que a alta cultura, embora hoje mais acessível, já não bate por acaso na porta de quem a não procurar.

Levar a vida demasiado a sério

Diz Chamfort:

Le théâtre tragique a le grand inconvénient moral de mettre trop d’importance à la vie et à la mort.

É verdade… Não há negar que o levar a vida demasiado a sério traz inúmeros inconvenientes, a começar pela angústia inevitável. Dando muita importância à vida e à morte e percebendo que ambas, em grande medida, escapam-lhe ao controle, o espírito experimentará o desespero. Porém, algo se há de notar: o realce é necessário para que o teatro comova; a mensagem de uma peça jamais terá o mesmo efeito se desprovida do exagero dramático. Para dizer como Nelson: a ficção, para que purifique, precisa ser atroz. Mas, talvez, sejam estes inconvenientes necessários não só ao teatro, como à própria vida, posto que em completa indiferença o homem permanecerá, sempre, exatamente onde está.

Independência e resolução

As reações do público a uma peça dramática ensinam sobre a arte. Ao público, geralmente agredido ao final do último ato e imediatamente após a agressão, é concedido o direito de resposta. Então ecoam as vaias, os impropérios e similares. Dizemos, é claro, do público espontâneo — sincero, selvagem — e em primeiro contato com a peça. Uma peça já representada, ou antes, um público conhecedor do clímax do drama age de forma totalmente diferente: comparece ao teatro para analisar performances e decidido a aplaudir. O curioso é que, em vida, os grandes dramaturgos não costumam produzir sob o estímulo dos aplausos; e o público, que geralmente é maestro da crítica, contribui para a sua execração. Assim vemos a arte como que forçando a autonomia do artista ao atirá-lo em confronto contra a maioria. Parece perguntá-lo: “E então? és capaz de seguir adiante, contrário a todos?”. A questão não cede espaço a evasivas: a arte parece exigir independência e resolução.

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A distância entre o público e o artista

Nada representa tão bem a distância entre o público e o artista como o teatro e não há grande peça dramática imune a vaias em primeira apresentação. Fato compreensível, posto o grande efeito dramático ser avesso ao agradável. O dramaturgo, pois, pode medir o próprio sucesso pelas reações negativas e, se recebe aplausos, talvez seja artista menor. Assim é a dramaturgia. As pedradas evidenciam-lhe a força e o natural é que flores não sejam atiradas senão por um público que lhe passou incólume. Será apenas a dramaturgia?…

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