Apesar do grande risco de degeneração inerente às relações humanas, deve ser, mesmo, uma grande satisfação participar de um ambiente de intercâmbio cultural, tal como os que houve e os que há em diferentes países, onde um pequeno grupo de intelectuais com comunhão verdadeira de interesses conversam, ensinam, aprendem, se ajudam e se desenvolvem. O que mais parece benéfico, e nem sempre ocorre, é o contato entre diferentes gerações, que possibilita a transmissão pessoal de um legado, o que deve ser igualmente satisfatório para aqueles que o transmitem e aqueles que o recebem. Em verdade, é o que poderia ser realizado pelas universidades, se estas não se tivessem metido em tantas formalidades. Não se pode subestimar o valor da presença física — ausente nos livros —, e, portanto, a cultura deve muito a estas pequenas associações informais.
Não há negar que, a despeito de tudo quanto…
Não há negar que, a despeito de tudo quanto se pode dizer das conclusões esboçadas por Hegel, sua compreensão dos processos componentes e condutores da realidade, isto é, sua dialética, é de uma lucidez e de uma acuidade impressionantes. Porque para onde quer que voltemos os olhos, um exame aprofundado mostrará que uma ação histórica efetiva suscitará necessariamente sua antítese e terá um resultado diverso de sua intenção. Esta dinâmica, às vezes de dificílima compreensão, equaciona notavelmente a presença fatal do imprevisível, e nos força a tê-lo sempre em vista em qualquer processo. Acostumar-se ao ambíguo e ao complexo é, enfim, colocar-se mais próximo do real.
Analisando a minha obstinação…
Analisando a minha obstinação com aqueles temas que dão as notas mais insuportavelmente pessimistas de minha ficção, a saber, a violência, a insegurança, a feiura do ambiente e a incultura como norma, vejo que, instintivamente, acabo acertando aquilo que mais se distingue e mais importa nas últimas décadas. Nada há de original em nenhum destes temas; contudo, a virulência com que eles se impõem no cotidiano atual, todos eles de alguma forma interligados, e todos eles com ramificações incalculáveis, é algo que há algumas décadas não poderia ser retratado, por não corresponder à realidade. E mais importa fazê-lo agora porque mais se tenta ocultar o quão deprimente é o estado em que o Brasil se meteu. Não é possível olhar tudo isso sem o máximo espanto: um país que objetivamente alia as maiores taxas de homicídio com os piores níveis de educação do planeta… Dizê-lo e retratá-lo é, mesmo, desagradável, e não pode senão despertar antipatias. Mas alguém tem de fazê-lo, ainda que por consideração às vítimas desta catástrofe.
Em meados do último século…
Em meados do último século, não eram poucos os autores que recordavam saudosamente a belle époque, lamentando uma deterioração generalizada que abrangeu da arte ao cotidiano, das oportunidades aos costumes, da qualidade de vida às relações pessoais. Na maioria dos casos, o lamento partia de autores que viveram a infância no referido período, e portanto adicionavam ao contexto a lembrança de suas mais afetuosas memórias infantis. A geração seguinte, nascida no pós-guerra, que cresceu ouvindo de seus pais as histórias dos tempos passados memoráveis, é hoje a que relata com saudade os costumes que se perderam, as oportunidades que abundavam e o ambiente que se foi. Curiosamente, a geração que hoje vive a maturidade, se ainda não lamenta os tempos áureos de outrora, já pode pressupor com segurança que bastarão alguns anos para que comece a fazê-lo, em vista da atual degradação, também visível e generalizada. Que dizer?