É preciso retornar sempre àquilo que dá unidade

É preciso retornar sempre àquilo que dá unidade ao ser, mesmo e mormente sob assaltos repetidos da mutabilidade. A cada mudança, a cada aparente dissolução do duradouro, é esforçar-se pelo retorno a si mesmo, de novo e de novo. Se, é verdade, a estabilidade pode ser uma quimera, o esforço por ela não é vão; e este, se constante, ainda que numa constância imperfeita, acaba por criar neste próprio ato algo próximo da estabilidade desejada. Estabilidade, equilíbrio e continuidade são, antes, qualidades interiores.

Nada há de mais absurdo do que viver…

Nada há de mais absurdo do que viver recordando-se da eternidade, isto é, ter em vista sempre a atemporalidade enquanto se existe na escala temporal. O eterno elimina o tempo; não há contingência que não se dissolva em sua escala. E portanto nada pode haver de mais antinatural que meditar nela quando a estrutura da vida, a cada passo, a cada detalhe, é-lhe o oposto. Antinatural, absurdo; e necessário, porque só assim se pode vencer a ilusão do argumento precedente. Existe-se na escala temporal: muito bem, muito bem; e só isso?

O brasileiro, hoje, cresce desprovido…

O brasileiro, hoje, cresce desprovido de um ambiente cultural compartilhado. Cresce sem saber o que é, por exemplo, literatura. E se por acaso a descobre, se um milagre desperta-lhe a curiosidade por ela e então procura o lugar em que escrevem os grandes autores, em que os grandes críticos estão a apresentar e criticar obras literárias, a disseminar o que de melhor se escreveu e se tem escrito, ele não o encontra, porque esse lugar não existe. O que há de bom são páginas amarelas e desbotadas, compráveis de segunda mão. E é curiosíssimo notar que, hoje, mesmo o que se escreve sobre literatura, não se escreve, mas se fala: o formato da alguma crítica literária que subsiste, compelida pela audiência, é o vídeo. Livros e letras tornaram-se intragáveis. Esse fracasso cultural assombroso, causa de um fracasso humano ainda maior, não ocorreria jamais num país que dispusesse ao menos de uma elite culta, porque esta, se verdadeiramente culta, tomaria para si a obrigação de algo fazer pela cultura, de algo fazer pelo país. Mas não, não… o melhor, agora, é nem instigá-lo, porque o mecenas possível é um mecenas já existente e desgraçadamente deturpado.

O afastamento que não parece ter limites

O afastamento que não parece ter limites entre o português culto, já agonizante, e o português falado no Brasil, somado ao desinteresse cada vez maior pela escrita, evidenciado pelo aumento exponencial da oralidade, são motivos suficientes para demonstrar que, quem escreve hoje, escreve para potenciais leitores futuros. Por um lado, é isso um excelente incentivo à grande literatura, à literatura dos temas atemporais. Por outro, é o retrato de uma cultura morta, que inviabiliza, por exemplo, uma revista literária com autênticos literatos. Até a mídia escrita, se exclusivamente escrita, já parece inviável. Não é exagero dizer que, hoje, escrever é ou um ato de gratidão, ou um ato de fé.