É interessante constatar como alguns destes livros…

É interessante constatar como alguns destes livros de relatos de aventuras fazem uma literatura superior à maioria dos romances ficcionais. É curioso porque, ao menos teoricamente, um relato atém-se aos fatos, isto é, sai como falto de possibilidades imaginativas. Ainda assim, é frequentemente melhor do que engenhosas construções mentais. Por quê? Decerto, não pela linguagem. Como vantagem, poder-se-ia apontar nele uma verossimilhança garantida: sendo real, mais facilmente convence. Mas quando pensamos mais um pouco, essas minúcias cedem perante o óbvio mais patente: fazer boa literatura é, essencial e simplesmente, contar uma boa história. Se a história é boa, o livro acaba por bom. Se não é boa, é inútil sustentá-la com artifícios. No fim das contas, dá-se o mesmo com os relatos e com a literatura ficcional.

Durante a rotina, é difícil recordar-se do excepcional

Durante a rotina, é difícil recordar-se do excepcional. Para relembrá-lo, a mente parece exigir silêncio e solidão. Assim que facilmente o esquece, e se não se esforça diariamente por preservar-lhe a imagem, deixa-se percebê-lo somente em instantes imprevistos, apartados, desconexos, desperdiçando o grosso dos benefícios de sua percepção. Mas é sorte que volte a lembrança e gere uma nova surpresa: assim se renova a esperança de que, desta vez, não se há de deixá-la desvanecer.

Para o espírito, não há estagnação…

Para o espírito, não há estagnação: ou evolui, ou deteriora, mesmo sem o perceber. E nada parece prejudicá-lo com mais eficácia que o passado, quando não se aprende a vencê-lo. Os exemplos são infinitos daqueles que se não pararam no tempo, não se deixam despegar de algo que já passou. Daí que o espírito se descola da realidade, e o resultado é degeneração. Há experiências cuja intensidade, jamais revivida, parecem determinar o ser. Porém, visto que a vida é movimento, a “determinação” sempre repercute, quer para o bem, quer para o mal.

Está dito que o jovem poeta Merejkovski…

Está dito que o poeta Merejkovski, aos quinze anos, pediu uma opinião a Dostoiésvki sobre a qualidade de seus primeiros versos. Após julgar que não valiam nada, o experiente romancista justificou-se dizendo que, para escrever bem, é preciso sofrer. Sofrer! Decerto, há muita verdade nesta afirmação: nada de importante se compreende antes de uma boa dose de sofrimento, e portanto nada de importante se pode expressar. Mas o curioso é ver que nas agruras, exatamente nelas, brota uma centelha como resposta ao desafio circunstancial. A mente, atingida, sofre e precisa superar a situação. Então tem de compreendê-la, dimensioná-la, absorvê-la. O esforço afinal a engrandece. O sofrimento deixa uma marca, e o resultado traz uma lição. É experimentando-o diversas vezes que o escritor se capacita a ter algo autêntico a dizer.