Estou aqui pensando: chegou o dia em que o ritmo, após tanto tempo utilizado na poesia, deixou de ser belo; e belo passou a ser fazer poesia sem ritmo. Curiosamente, sou assaltado por uma lembrança engraçadíssima. Certa vez, fui à fronteira com o Paraguai e lá estava para assistir ao “espetáculo cultural” mais renomado da região. Tal espetáculo não era senão uma tentativa de evidenciar mesclando as tradições musicais dos países vizinhos. Foi uma apresentação, embora caríssima, redondamente ridícula; mas houve um momento que, pelo grotesco impensável, fez valer o preço do ingresso. No palco, subiu um sujeito com vestes temáticas paraguaias carregando uma harpa. Uma harpa: o mais imponente dos instrumentos musicais. Houve um silêncio, ou melhor, o silêncio do imponentíssimo instrumento congelou a plateia. Obviamente, estava esta na expectativa de que o homem fosse tocar a harpa. Porém, após bater exatamente duas notas, eis que o sujeito, ao som de um playback, toma a harpa como dama e começa a bailar: rodopia, balança-a de um lado para o outro e ousa atirá-la para o alto. Neste momento, já estava a plateia animadíssima batendo palmas. Eu, é verdade, não controlava as gargalhadas, que se perdiam entre as palmas e o playback. Mas lá estava a harpa, enorme, com o seu quê de divino, bela como se fosse feita de ouro, rodopiando nas mãos de um palhaço para o aplauso de algumas dezenas de imbecis.