Despojo-me de minha modéstia para afirmar que ninguém jamais esteve tão apto como eu a fundar a Igreja da Misantropia. Possuo para tanto a completa fundamentação teórica e a prática de um sumo sacerdote. Mas confesso, com uma certa tristeza, que Karl Kraus daria um padre exemplar. Diz ele ter descoberto ser possível conviver com as pessoas em terra estranha, isto é, num ambiente em que não entenda uma palavra daquilo que dizem e lhes é impossível qualquer comunicação. Assim, o próximo realmente nos parece tolerável. Mas impressiono-me de não considerá-lo novidade, posto que isso eu mesmo já escrevi. É curioso como, em todas as vezes, dá-se exatamente o mesmo: sinto-me alegre por detectar a anomalia compartilhada, mas ela nunca me impressiona. Sou capaz de cada uma e todas as manifestações misantrópicas jamais concebidas; não há particularidade que se me escape, e empatizo com toda expressão de repulsa e distanciamento para com o homem. Banir por lei a linguagem, propõe Karl Kraus; permitir ao homem somente a manifestação gestual em casos de emergência. E eu apoio, é claro, sendo estas proposições que já partiram de meus próprios dedos. Mas esta igreja jamais prosperaria; e por mais que haja técnicas eficacíssimas de afastamento, como há propostas interessantes para a construção de muros que o separem do meio, ao misantropo só há e sempre só haverá uma solução definitiva — e esta, é prudente evitar.