A selva, de Ferreira de Castro

A árvore solitária, que borda melancolicamente campos e regatos na Europa, perdia ali a sua graça e romântica sugestão e, surgindo em brenha inquietante, impunha-se como um inimigo. Dir-se-ia que a selva tinha, como os monstros fabulosos, mil olhos ameaçadores, que espiavam de todos os lados. Nada a assemelhava às últimas florestas do velho mundo, onde o espírito busca enlevo e o corpo frescura; assustava com o seu segredo, com o seu mistério flutuante e as suas eternas sombras, que davam às pernas nervoso anseio de fuga.

É curioso ter sido um português, e não um brasileiro, a escrever este romance impressionante. Mas, pensando um pouco melhor, só mesmo um europeu seria capaz de escrevê-lo, colocando em palavras todo o espanto perante esse monstro vegetal, variadíssimo embora compacto, embora aparente uma muralha verde uniforme e infinita, impenetrável, indefectível. Só mesmo um europeu para vê-lo e confrontá-lo com a tão apregoada paz da paisagem campesina, aqui impossível. Mas muito além desta vitalidade agressiva, impiedosa e insaciável, que ladeia rios de largura descomunal, ninguém melhor que um forasteiro para colocar em termos justos o drama humano experimentado neste meio. Quando o impensável realiza-se de contínuo, a mente acostumada acaba perdendo a capacidade de se impressionar.