Vivem pouco justamente os que aparentam viver muito

aparentam viver muito

Bato estas notas, sempre, em ambiente estático, em completa solidão. Tudo rigorosamente imóvel, exceto meus dedos assanhados. Há pouco, pensei em Fernando Pessoa. Para o meu espanto, ele apareceu vivo, vivíssimo do meu lado. Como? É o que eu gostaria de saber. Havia pensado, pouco antes, em escrever o seguinte: “A existência só me é justificável como resposta aos autores que li, como a continuidade do que eles começaram”. E concluiria que, apesar de mortos, eles não morreram. Então Pessoa irrompe no meu quarto. É curioso: há um século atrás, ele estava, como eu, encerrado num quarto em qualquer canto de Lisboa, refletindo em solidão. Sabia ele da potência dos próprios versos? que resistiriam, vigorosos, à tirania do tempo? Sabia… o Pessoa sabia… E, naturalmente, aos olhos do mundo, encerrado num quarto, o poeta “deixava de viver”. Pergunto: e agora, e para o resto da eternidade, quem vive e viverá mais: o sujeito que “vivia”, ou o poeta, que “deixava de viver”? Um século depois, Pessoa, rompendo a barreira do tempo e do espaço, encontra-se em meu quarto. E se abro sua Ode marítima, serei tomado de uma euforia real e fortíssima, mais viva que qualquer outra sensação que uma pessoa (com “p” minúsculo) contemporânea poderia me gerar. E aí está o óbvio: vivem pouco — muito, muito pouco — justamente os que aparentam viver muito, aos olhos do míope convencional…

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