A arte séria não entrega prazer ao artista. Dizê-lo é repetir o óbvio… Kafka é o modelo de artista sério: Kafka, o escritor que queimava quase tudo o que escrevia e que viveu como um completo anônimo. Que lhe deu a arte? Nada, senão aflição. Quem julga a arte entregar qualquer tipo contentamento desconhece-a por completo. O artista esforça-se por dezenas de horas: cria a obra. E então, que faz? ou ainda: de que lhe serve a obra? De início, a arte séria não vende — e é um insulto pensar que seja feita para vender; — depois, é uma piada imaginar alguém como Kafka satisfeito ou contente ao vislumbrar o que pariu. Kafka certamente relia as suas obras, e é por isso que as queimava. Uma obra séria, posto criada, repugna ao artista; uma vez criada, tem de desaparecer de seu campo de visão. De resto, aí está o que a arte entrega: infinitas horas de amargura, e um juízo final desgostoso. Como Kafka, é deixar inédito o trabalho de uma vida e ordenar em testamento: “Queime tudo o que sobrar de mim!”.