Parece haver consenso de que um poema deve ser declamado como prosa ou, melhor dizendo, como interpretação dramática. De onde essa ideia? É verdade: declamando “dramaticamente”, pode-se expressar emoção, pode-se fazer uma declamação apaixonante — o que não se pode, definitivamente, é transmitir a quem escuta o ritmo do poema. A razão é muito simples. O que é ritmo, na música? É a relação entre notas musicais e silêncio dentro de um compasso. O que é compasso? É um intervalo regular que se repete por quanto tempo durar a composição. Em música, toque-se as mesmas notas desrespeitando a relação que elas travam entre si, e foi-se o ritmo, foi-se a própria música. Se desejamos acelerar a execução de uma peça, alteramos o chamado tempo, que é a duração de cada unidade do compasso — ou seja, alteramos proporcionalmente a relação de todas as notas musicais dentro da composição. Se tencionamos uma execução mais lenta, basta que façamos o processo contrário. O que não podemos alterar nunca — ao menos, sem que a música seja desfigurada — é o ritmo da composição; e o ritmo, como ficou dito, exige regularidade. Por que seria diferente na poesia? De fato, não é. Se os versos de um poema regular são declamados em durações variáveis, se a entonação das sílabas não segue uma regularidade, se a pausa obrigatória e padrão no final de cada verso é desrespeitada, não há como transmitir o ritmo de um poema. É impossível! Ouvindo-se o que estamos a denominar “declamação dramática”, não se pode identificar onde começa e onde termina o verso, ou quais pés o compõem — o que não ocorre quando escutamos alguém a cantar um poema. E se consideramos que o ritmo é a essência de um poema, como justificar essa maneira de declamação? Quem inventou essa regra de que um poema não deve ser cantado? Acaso a lira, aos gregos, não amparava o canto? Lamento muito, lamento em várias línguas: mas para aqueles que consideram o poema uma construção melódica, declamá-lo destituindo-lhe da musicalidade parece antinatural — independente de quantos diplomas colecione o declamador.