Há algo de verdadeiramente genial na maneira como Gilberto Freyre constrói suas obras. A princípio, impressiona o caráter inclassificável de todas elas, isto é, o caráter de mistura, de obras devotadas a muitas, e não somente a uma ciência. Pelos prefácios, já se nota um amontoado impressionante de referências contrastantes, que instiga a curiosidade de como elas se irão harmonizar nas páginas seguintes. Então começa Gilberto Freyre sua prosa, intercalando antropologia e sociologia, sínteses e relatos, passando de um inventário de costumes a eventos históricos, penetrando no recanto mais íntimo de suas personagens, e todo esse amontoado vai lentamente formando um panorama complexo e vividamente colorido, que dificilmente uma obra puramente sociológica, antropológica ou historiográfica seria capaz de igualar. É como se ele, metódico, trocasse a tonalidade da tinta após pintar vários parágrafos com uma só cor. Depois de muitas páginas, quando já é possível observar o conjunto, sentimo-nos diante de uma obra com precisão historiográfica, mas pintada com sutileza literária na construção das personagens, na minuciosidade de detalhes, na representação dos ambientes socioculturais que serviram de pano de fundo para o período histórico abordado. É claro que suas obras, construídas dessa maneira, não podem agradar os tarados pela objetividade dos fatos — mas estes, porém, conhecendo-os, por isso mesmo não serão jamais capazes de os interpretar.