A pátria das letras

Pátria das letras

Estive em Paris a meados de 2019. Logo ao desembarcar, deliberei: aproveito a estada e levo algumas obras que tenho dificuldade em encontrar no Brasil.

Pois bem. Foi-me a primeira vez na cidade. Aconselharam-me a buscar pelos livros em pequenos sebos à borda do Rio Sena, pela altura do Louvre, para encontrar os melhores preços. Lá fui e chegando, vejam vocês, encontrei não uma, mas vinte tendas enfileiradas, até perder a vista, todas elas abarrotadas de livros. “Estou na pátria das letras” — foi o que concluí.

Então comecei a fazer contas: não tinha espaço nem dinheiro para levar tudo o que queria comprar. Teria de escolher, digamos, quatro ou cinco autores e só. Desejava, de qualquer maneira, uma versão física de Les fleurs du mal, de Baudelaire; Aveux et anathèmes, de Cioran, era outra compra indispensável. Decidi-me, pois, e perguntei ao primeiro vendedor: “Avez-vous quelque chose de Baudelaire, Cioran, Flaubert ou Maupassant?“. O quelque chose soou-me como insolência. Ali certamente estariam as obras completas de todos os autores…

O vendedor procurou, procurou, procurou e voltou-me a resposta: “Non“. Segui à próxima tenda; novamente a resposta: “Non“. Então passei em cada uma das barraquinhas, sempre fazendo a mesma pergunta, e sempre obtendo a mesma resposta. Quando recebi o último “non” e notei que se haviam acabado as tendas, simplesmente não acreditei, pensei ser impossível a cena que eu havia acabado de vivenciar.

Havia, como disse, umas vinte tendas, cada uma delas com duas, talvez três centenas de livros. Como é que nenhuma dispunha de uma única obra de Charles Baudelaire, o maior poeta do século XIX? Vá lá que os franceses não leiam Cioran, mas Baudelaire? Flaubert?

Foi que me deu na cabeça a pergunta óbvia: “Se não há Cioran, Flaubert, Maupassant ou Baudelaire, de que é que essas tendas estão abarrotadas?”. E, acreditem vocês ou não, varrendo a prateleira mais próxima com os olhos, lá encontrei, em posição de destaque, L’alchimiste, de Paulo Coelho.

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