A psiquiatria moderna, invadindo o terreno da filosofia, já é uma espécie de doutrina em que eminentíssimos Simões Bacamartes vão a passos largos em direção ao fim que teve o original. Há um modelo de normalidade, e este modelo é o do bobo alegre. Quem nele não se enquadre está indiscutivelmente doente e deve procurar ajuda profissional. Há juízos sobre a vida, sobre o meio, sobre os outros, há condutas deliberadas que só brotam numa mente não saudável. Todas elas, é claro, devem ser tratadas. Um Sêneca, um Schopenhauer, fatalmente sofre de um transtorno. Assim como todos os santos, todos os monges, eremitas de qualquer espécie, poetas, sonhadores, aventureiros e muitos outros. Um Fernando Pessoa, então, é um louco varrido, um doido de amarrar em pé de mesa. E para todos estes, a iluminadíssima psiquiatria moderna já atribuiu uma doença mental. Tudo isso seria engraçado, se não estivéssemos numa época onde as liberdades são gradativamente sufocadas e os indivíduos, cada vez mais, são forçados a seguir uma cartilha comportamental. Não falta muito para que o Estado, calcado na Ciência, proponha-se a corrigir os transtornados, justificando-se pelo Marketing. E então internados os mentalmente enfermos, os nocivos para o bem comum. É possível imaginar perfeitamente o Ministério da Saúde que Orwell não criou operado pelos poderosíssimos sociopatas hodiernos cuja tara por controle extrapola todos os limites já registrados pela história. Que catástrofe!