Diz Pessoa:
Camões é Os Lusíadas. O lírico, em que os inferiores focam a admiração que os denota inferiores, era, como em outros épicos de sensibilidade também notável, apenas a excedência inorgânica do épico.
E, noutra ocasião:
Chora Camões a perda da alma sua gentil; e afinal quem chora é Petrarca. Se Camões tivesse tido a emoção sinceramente sua, teria encontrado uma forma nova, palavras novas — tudo menos o soneto e o verso de dez sílabas. Mas não: usou o soneto em decassílabos como usaria luto na vida.
Que dizer? Primeiramente, é diminuir Camões classificá-lo como poeta épico: Camões era poeta. Como Pessoa, poeta de manifestações múltiplas, grande poeta. Em seguida, o julgamento estético. Resumir a poesia à forma é tão rasteiro quanto julgar um romance pelo número de páginas. Há sonetos em que se encontra tudo, exceto o Petrarca. O que convém é perguntar: que faz o poeta em decassílabos? é possível enxergá-lo em seus sonetos? Notamos o óbvio: quando chora Camões, Camões é que está a chorar. E, fosse-me o vocabulário, adicionaria que o choro é mais belo porque compartilhado, porque estabelecedor de um elo com o passado e manifestante da empatia, da humildade e do respeito. A originalidade não exige a criação de um novo formato, a sinceridade não tem obrigatoriamente de inventar o modelo da própria expressão: basta que se expresse. É notório o brilhar do poeta quando, a compor sob regras conhecidas, exprime-lhe a alma individual.