Quando o Senhor envia
O trovador ao mundo,
Faz devorar a essa alma
Fel amargoso e immundo;
Porque lhe diz: — “Poeta,
Vai conhecer a terra;
Prova dos seus deleites;
Prova do mal que encerra.
Desses e deste esgota
As taças muitas vezes,
Embora de uma e d’outra
Aches no fundo fézes:
E quando bem souberes
Que tudo é sonho vão;
Que é nada a dor e o goso,
Sólta o teu hymno então.”
E o pobre desterrado
Vem seu mister cumprir.
Nasce: homens e universo,
Tudo lhe vê sorrir;
E o seu balbuciar
Um canto é d’innocencia:
Mas outro foi seu fado;
Guia-o a providencia.
É cherubim precíto
Qu’ inda entrevê o céu,
Mas através da vida,
Mas através de um véu.
Em turbilhão d’affectos,
Seu íntimo viver
Rapido lhe devora
Sperança, amor e crer.
Do goso nos delirios
Debalde busca o amor;
Saudade melancholica
Pede debalde á dor.
Depois, desanimado,
Pára a pensar em si,
Acha no seio um ermo,
E tristemente ri.
É desde aquelle instante
De um acordar atroz,
Que ao condemnado lembra
Do que o mandou a voz.
Então entende e cumpre
Seu barbaro destino;
Então é que elle aprende
A modular um hymno.
Virgem, ao que assim passa
Por meio do existir,
Calcando os frios restos
Do crer e do sentir,
Não peças te revele
Sua alma na poesia,
E dê aos pensamentos
O encanto da harmonia;
Porque lá, nesse abysmo,
Não resta uma illusão:
Só ha perpetua noite,
E injuria e maldicção.
Não entenderas, virgem
Ainda innocente e pura,
O canto que surgira
Dessa alma gasta e escura.
Deixa-o seguir seu norte,
Cumprir missão cruel;
Deixa-o verter o escarneo;
Deixa-o verter o fel;
Deixa-o cuspir em faces
Onde não ha pudor,
E ao mundo, ebrio de si,
Rindo ensinar a dor.
As sanctas harmonias
De cantico innocente
Sabe-as o alvor do dia
Quando rompe do oriente;
Murmura-as o regato;
Vibra-as o rouxinol;
Vem no zumbir do insecto,
No prado, ao pôr do sol;
Vivem no puro affecto
Da filial piedade,
Nos sonhos e esperanças
Da juvenil idade.
Esta poesia é tua:
Eu já a ouvi e amei;
Mas hoje nem a entendo,
Nem repeti-la sei.
Assim, meu nome só
Escreverei aqui;
Som vão, intelligivel
Apenas para ti;
Extincto candelabro
Do templo do Senhor,
Que por algumas horas
Deu luz, teve calor;
Lenda de sepultura,
Que fala em gloria e vida,
E esconde ossada infecta
Dos vermes corroída;
Pinheiro solitario,
Que o raio fulminou,
E que gemeu tombando,
E não mais murmurou.