Ingratos, de D. Pedro II

Um soneto de D. Pedro II direcionado àqueles que escreveram talvez as páginas mais vergonhosas da história brasileira, cuspindo em obra e memória do mais honrado de seus compatriotas:

Não maldigo o rigor da iníqua sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dous passos só estou da morte.

Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta variedade,
Que hoje nos dá contínua f’licidade
E amanhã nem — um bem que nos conforte.

Mas a dor que excrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,

É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pôs — outrora.

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O talento é uma longa paciência

Algumas palavras interessantíssimas de Guy de Maupassant, em minha tradução do francês:

Mais tarde Flaubert, quem às vezes via, tomou afeição por mim. Atrevi-me a enviar-lhe alguns ensaios. Ele leu-os gentilmente e respondeu-me: “Não sei se terás talento. O que trouxeste a mim prova certa inteligência, mas não se esqueça disso, jovem, que o talento — nas palavras de Chateubriand — não é senão uma longa paciência. Trabalhe.”

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O martírio de Camões

Um trecho do prefácio do segundo tomo das Obras Completas de Camões, em edição de 1843, assinado por J. V. Barreto Feio e J. G. Monteiro, passa ideia da dimensão do sofrimento do insuperável poeta:

Em todos os povos, qualquer que fosse a forma de seu govêrno, hão sido sempre odiados e mais ou menos perseguidos, segundo as conjuncturas dos tempos, os summos e verdadeiros Escritores; isto he, os que á força do pensar e á elegancia do dizer unírão em summo grao o amor da verdade e da justiça. Não puderão as leis de Athenas proteger a innocencia de Socrates contra as calumnias de um Melilo, Seneca em Roma não pôde evitar a morte debaixo da tyrannia de um Nero; e a estes puderamos ajuntar uma infinidade de escritores desta classe, philosophos, poetas e oradores, que em diversos tempos e por diversos modos soffrêrão a mesma sorte. Mas Luis de Camões foi mais infeliz que todos: se lhe não fizerão beber a cicuta, se lhe não abrirão as veias, amargurárão-lhe a vida com toda a especie de desgosto, e depois de o haverem trazido de masmorra em masmorra, e de degredo em degredo envolto na mais esqualida miseria, com um refinamento de tyrannia, cuja descoberta estava reservada aos tempos modernos, ·o obrigárão a submetter seus escritos a uma junta de idiotas e hypocritas., e escurecer elle mesmo sua propria fama, rejeitando o que lhe agradava, para adoptar 0 que elles querião; e por fim de tudo o condemnárão a morrer de fome·; morte muito mais cruel.

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O martírio do artista

Um soneto de Augusto dos Anjos:

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a Ideia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!…
É como o paralítico que, à míngua
Da própria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!

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