Salvo engano, Freud disse da misantropia “um estado psíquico”; no dicionário, encontramos uma chocha “falta de sociabilidade”. Ambas as definições são vistosamente imprecisas, por esconderem o caráter essencialmente ativo da misantropia. Por isso, é preciso que um especialista refaça o trabalho malfeito e nos ilumine sobre o sentido deste vocábulo tão especial. Muito obrigado. A misantropia é um esporte. Nele, duas equipes se confrontam: a do misantropo, constituída por ele mesmo; e a da humanidade, constituída por todas as outras pessoas. O objetivo do misantropo é evitar a humanidade, e o objetivo da humanidade é importuná-lo. O diferencial deste esporte é que seu praticante pratica-o o tempo inteiro, e cada lance de sua vida pode ser considerado uma jogada. Tomemos o futebol como referência. Se o misantropo, por exemplo, ao perceber a ameaça de uma abordagem na rua, saca do bolso o celular e finge atender uma ligação, ou simula estar concentrado para não tomar parte em uma conversação estúpida à sua volta, ele efetua algo como um drible. Se falta a qualquer ocasião social, é como se marcasse um gol. Fernando Pessoa fingiu-se doente para faltar a um Natal em família: gol honesto. Um belo gol seria o que fez Karl Kraus na ocasião em que, perguntado num trem se seria ele o célebre Karl Kraus, respondeu o desconhecido com um rotundo “não”. Thoreau, mudando-se para uma floresta para viver entre animais selvagens, anotou um golaço semelhante ao de Maradona contra a Inglaterra na Copa do Mundo de 1986. E por aí vai… Com esses poucos exemplos, já se percebe que a misantropia nada tem de passiva ou de passageira, sendo muito menos um “estado psíquico” que uma prática diária e maravilhosamente estimulante. Muito obrigado.