É sempre com um sorriso na face que leio diários de homens de outros tempos. É maravilhoso comparar-lhes as rotinas, os meios, tudo!, com o que posso chamar de minha realidade. Fecho, agora, o minúsculo Diário íntimo de Fernando Pessoa, que cobre meros dois meses da vida do poeta. É simplesmente incrível o exercício da comparação, usando-me de cobaia. A primeira necessidade, sempre que leio este tipo de diário, é-me adaptar o sentido de algumas palavras e expressões. Por exemplo: o poeta diz por várias vezes “levantei-me cedo”, ou “vim cedo para a Baixa”. Isso quer dizer, no meu idioma, “acordei às nove”, “saí de casa às dez”. Depois, a rotina. O poeta vivia a dar passeios por Lisboa, divertia-se de domingo a domingo, caminhando de um escritório a outro, onde remetia cartas pessoais e compunha versos. Entre os passeios, paradas inúmeras na ilustre Brasileira para conversar com amigos e conhecidos. Vez ou outra, uma tarefa rápida, que era seguida de mais passeios e mais palestras, quase sempre literárias. Que é isso? Como é possível? Um animal como eu, rebento de uma geração escrava, não consegue assimilar. É literatura? Fizesse eu um diário, aos vinte e quatro anos, como o poeta, bastaria relatar um único dia para dizer como eram todos: “Acordei de péssimo humor às 5h30. Fui ao trabalho. Deixei-o às 17h30. Faculdade. Esgotado, cheguei em casa às 22h45. Dia infeliz”. E que dizer das conversas, da leitura de poemas em plena segunda-feira? Sobe-me um arrepio. Se eu visse, ao vivo e em cores, um sujeito a declamar um poema, ou a simplesmente dizer que leu este ou aquele romance, ser-me-ia como presenciar um rajá, montado num elefante, a passear pelas avenidas de minha cidade. Inacreditável! Mas a leitura agrada-me e escancara-me, como nenhuma outra, o sujeito que realmente sou.