É divertido imaginar Fernando Pessoa a pegar um guardanapo num boteco, rabiscar algumas linhas num garrancho quase ilegível e atirá-lo, aos risos, ao seu grande baú. E passar a vida rindo ao repetir infinitas vezes a mesma cena, imaginando o trabalho monstruoso que estaria delegando a homens que sequer conheceu. Deixar, pois, uma papelada gigantesca e desorganizada, e que se virem os editores! É algo sem dúvida divertido e tentador. Contudo, Pessoa, que admiravelmente transformou a desorganização em método, teve a sorte, primeiro, de encontrar editores, e, segundo, de encontrá-los competentes. Alguém que se arrisque a seguir-lhe o exemplo deve, portanto, ter muita fé, além de desenvolver essa invejável capacidade de defrontar uma bagunça aceitando-a como aquilo que dedicou a vida a produzir.