Registrei, nestas Notas, o quão maravilhado fiquei ao percorrer o diário de três meses mantido por Pessoa aos vinte e quatro anos. Lembro-me de tê-lo comparado a mim mesmo nesta idade, e ter dito que sua rotina, a um animal de minha espécie, parecia literatura. Que dizer, agora, ao ler a mesma fase descrita por Richard Zenith? Fernando Pessoa, sem dúvida, era muito mais preocupado que eu com a posteridade. Queimar em meses uma herança que lhe poderia custear, segundo o biógrafo, uma vida modesta por muitos anos; imerso em dívidas, rejeitar frontalmente a ideia de ter um emprego “normal” e, em vez disso, escrever uma carta pedindo dinheiro a um filantropo multimilionário… É este o tipo de atitude que faz valer uma biografia! E pensar que nunca me deu na cabeça ideia semelhante! Em vez de enviar currículos, enviar cartas pedindo dinheiro! Não há discussão possível sobre quão mais divertida é uma biografia como essa: como compará-la a outra de alguém que opta por bater ponto de segunda a sexta, em evidente falta de criatividade? Para nem mencionar a herança, que incinerada estupidamente faz com que a biografia se nos torne muito mais interessante…