Efeitos da torre

Não há negar alguns efeitos naturais da famigerada torre. Os motivos que levam o homem a nela se instalar variam da experiência ao raciocínio; mas, sem dúvida, a verdadeira torre alberga somente residentes voluntários. Uma vez instalado, vai o homem como que se modificando com o tempo que parece, sobretudo, endurecê-lo. Isolado de agitações, o ânimo arrefece, o corpo estabiliza e a mente parece compensá-lo em atividade dobrada. Em pouco, escancara-se um abismo entre tal postura e a dita normalidade, a qual é analisada em repulsa crescente. Daí que medra no espírito uma intolerância incontrolável, uma aversão violenta àquilo que o raciocínio condena repetidas vezes em intermináveis horas de meditação: o mundo é visto em sua face mais perversa. É certo, pois, que pode a torre estimular sobremaneira a amargura — e frequentemente o faz. Concretiza-se, assim, uma dureza de caráter incomum; dureza que fatalmente acaba, hora ou outra, cometendo uma injustiça. Aqui, dá-se algo curiosíssimo: deparando-se o recluso com a injustiça cometida ou, melhor dizendo, deparando-se ele com uma natureza que lhe contraria os julgamentos, há um choque tão violento que aparenta operado por uma entidade superior. Então, ressurgem os restos de uma humanidade morta e, num misto de assombro e remorso, o habitante da torre parece amolecer.