Cioran, Antero, Kafka… todos dotados de uma mente noturna, isto é, uma mente que, contrapondo-se aos hábitos corporais diurnos, escolhe a noite para pôr-se em atividade intensa. Grande parte das noites, pois, uma verdadeira tortura, um conflito incessante que só termina quando a luz já invade a janela do quarto. O fatigado corpo pedindo descanso, e a mente tendo na quietude da madrugada o horário perfeito para trabalhar. Ideias a estourar como rojões, raciocínios que desenvolvem-se uns sobre os outros, cenas, julgamentos, aflições, planos, expectativas, tudo isso rebentando, sugando atenção quando a vontade é anulá-los todos. Então, já acostumado, o espírito passa a chamar de noites boas aquelas em que o dormir é como um semissono, — o máximo que consegue atingir, — um estado em que a falação mental confunde-se num meio-termo entre sonho e raciocínio, já automatizado por um encadeamento inconsciente e só interrompido por despertares espaçados, nos quais um lampejo consciente questiona o grau da própria lucidez. E desta rotina aparentemente terrível, muitos e muitos frutos, soluções que jamais se dariam num estado plenamente desperto, ideias que, se não oriundas do recanto mais fundo da mente, parecem colocadas pelas mãos de um espírito superior. Muito bem, muito bem: é possível aprender a gostar de noites assim — só não é possível, para uma mente como essa, o bom humor pelas manhãs.