Li, ou melhor, tentei ler uma análise biográfica de Antero assinada por um psicanalista e julguei-a tão infame, tão assustadoramente estúpida e fajuta, que me senti tentado a rebatê-la num manifesto furioso, já que não posso insultar pessoalmente o autor. Incrível! Quer o imbecil creditar à infância a resolução de um homem com meio século de vida! Toda a “análise” se lhe resume a calúnias revoltantes, a pintar um nobilíssimo espírito como um escravo inerte. Repenso, porém, e desisto da empreitada, por absolutamente inútil. De que valeria gastar-me o tempo a provar um psicanalista raso e parvo? provar que a ofensa começa num ser desta estirpe, limitado por tal viseira, colocar-se a vomitar palpites sobre a vida de um homem superior? Que outra coisa poderia ele escrever, afinal, posto o calar-se ser-lhe impossível? E não é justo exigir de um quadrúpede a compreensão de um Antero. O melhor, sem dúvida, é que eu mesmo dê o exemplo: fecho o ensaio, calado, e finjo que ele nunca existiu.