O contato frequente com fatalidades, especialmente as derivadas da brutalidade humana, é um elemento de efeitos decisivos num caráter. Grande parte da literatura e da filosofia não pode ser devidamente apreciada se o desconsiderarmos. Aquele que viveu o horror de uma guerra, por exemplo, vê-lhe a palavra adquirir um peso que, às vezes, é difícil de transmitir, porque a seriedade do que é dito só a capta aquele que também capta a experiência motivante, sendo esta parcialmente alcançável por um esforço imaginativo, mas nunca, nunca tão intensa como a real. Há autores submetidos a uma dose de ossos, sangue e misérias cujo caráter, se nos estranha, é sinal de que não estamos aptos a analisar.
Categoria: Notas
Ao homem nunca é dada a possibilidade…
Ao homem nunca é dada a possibilidade de fazer tudo aquilo que quer, mas, igualmente, nunca lhe é negada de todo a possibilidade de agir. Tudo fica sempre entre estes dois extremos e, na maioria das vezes, pode-se fazer mais do que se supõe. Não se pode, porém, agir no pretérito ou avançar no tempo, e tais impossibilidades frequentemente constrangem. Tais impossibilidades, em verdade, só podem constranger, e enquanto não se aprende a desprezá-las, não se valoriza o muito, o até sobejo que se pode aproveitar.
É interessante notar que algumas personalidades…
É interessante notar que algumas personalidades fundam-se num elemento irracional que, embora possa parecer às vezes absurdo, opera como unificador. Só de imaginar-lhe ausente, o ser inteiro desmorona. Contudo, o atributo de loucos frequentemente recebido é, se não falso, extremamente simplista. Porque o mesmo irracional que atira nas contradições mais escandalosas, que induz a erros incríveis, que turva a razão e descontrola, é também responsável por uma coesão, por uma energia e por uma resistência que parecem sobre-humanas. Personalidades assim, incomuns, mas existentes, invalidam os manuais de comportamento e, afinal, enriquecem o conceito que se faz do homem.
A relação de alguns escritores com a doença…
A relação de alguns escritores com a doença é algo difícil de explicar. Uma pessoa normal, sem o menor desconforto, encontra as desculpas que precisa para não escrever. Se padece de alguma enfermidade, não há nem o que dizer. Então vemos não um, nem dois, mas muitos escritores que não apenas persistiram na doença por meses, anos, por uma vida inteira, mas fizeram da própria doença fonte de motivação. Não é pouca coisa, e não é algo fácil de imaginar. Há doenças com as quais nunca se acostuma; mas parece que, justamente estas, encurralam e não deixam outra opção.