A grande obra literária não sai sem que haja…

Diz Ferreira de Castro, sobre a escrita de A selva:

Era das seis e meia às oito da noite, depois de haver estendido num divã, durante alguns minutos, a fadiga trazida, como um fato de chumbo, do magazine e do jornal, que me embrenhava na Amazónia. E nem todos os dias, porque a vida tinha ainda mais exigências e outras vezes eu regressava a casa tão exausto, tão saturado de papel em branco e de papel impresso, que me faltava disposição, frescura e forças para retomar a minha pena.

Este tipo de relato, para além de desmontar a romantização da escrita, é também mais uma evidência de que a grande obra literária não sai sem que haja uma motivação descomunal, uma necessidade absoluta e irracional de escrevê-la, que suplanta pela força todos os possíveis obstáculos. Tomar consciência do cenário descrito por Ferreira de Castro diante do romance finalizado nos inclina a creditá-lo a algum milagre. Mas, decerto, nas grandes obras há menos milagre do que esta violentíssima sensação de dever.

A despeito de parecer hoje inexistente…

A despeito de parecer hoje inexistente após décadas de sistemática e veemente relativização, o senso comum permanece como a mais sólida baliza moral do homem ordinário. Não é a lei que o orienta, não é na lei que ele pensa quando age ou deixa de agir. Se não mata, se não rouba, é porque assim prescreve o senso comum, havendo ou não havendo lei. O efeito desta, aliás, graças ao estado moderno, é torná-lo sempre mais ou menos infrator. Quer dizer: se não corresponde a lei ao senso comum, não é possível enxergá-la como justa, e seu efeito não pode jamais ser educativo, como teoricamente se pretende. E disso tudo, o mais curioso é que chegará o dia em que alguém terá de notá-lo, terá de notar a falência do direito moderno perante o antiquíssimo senso comum. E, então, caso se queira transcrevê-lo juridicamente, já não será possível — a menos que se admita novamente a religião.

A lei só cumpre a função social…

A lei só cumpre a função social pela qual se justifica quando é expressão jurídica do senso comum. A partir do momento em que se precisa recorrer a um especialista para conhecê-la, ou melhor, a partir do momento em que se torna conhecimento especializado, distante, e não universalmente apreendido por óbvio, a lei perde a função social e torna-se mero meio de opressão por parte daqueles que detêm o poder de aplicá-la ou se beneficiam de sua aplicação.

O impressionante do hábito é acostumar…

O impressionante do hábito é acostumar a mente a tarefas difíceis, fazendo com que pareçam quase, quase fáceis; e, mesmo que não chegue a tanto, trivializa o fazê-las, algo por si só extraordinário. Psicologicamente, habituar-se a fazer algo é fazê-lo com menor esforço, como ligando um modo de execução automático. E só é possível notar o quão benéfico, o quão poderoso é o hábito ao rompê-lo e, em seguida, tentar fazer o que antes se fazia com naturalidade. Quase sempre, menor que o esforço necessário para retomá-lo é aquele necessário para desistir.