O veneno de Schopenhauer

Em quase tudo o que faço, está Schopenhauer a admoestar-me: “Seja indiferente! Negue o desejo! Negue a vida!”. E, praticamente, a influência de Schopenhauer em minha vida pode resumir-se no seguinte: sou um monstro de indiferença para com a maioria das coisas, dentre elas as que eu não gostaria de ser; já com as coisas que eu mais desejaria ser indiferente, com essas não sou, não consigo, e sinto-me, por fim, absolutamente derrotado por minha própria natureza.

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Escrever para o cinema

Creio ter sido Faulkner que disse uma vez o quanto escrever para o cinema prejudica a criatividade de um autor. É claro, Faulkner é mais autoridade para falar sobre o assunto, mas não creio que o cinema apenas mine a criatividade de um escritor. Escrever para o cinema, em meu caso, foi de profunda importância. Para os que nunca leram um roteiro — e que não perdem muita coisa: — o texto cinematográfico, quando bem escrito, é de extrema objetividade: a cena descreve exata e somente o necessário para ser inteligível. Quase não há adjetivos, uma personagem jamais se apresenta com “olhar vagueando por devaneios cálidos”, e as janelas em hipótese alguma são “tristes e sombrias, varadas por uma fraca luz que desfalece meio à penumbra”. É verdade, é verdade: há menos arte num roteiro de cinema do que em Tolstói. Porém, escrever para o cinema obriga o escritor a perguntar-se: qual o objetivo desta cena? Qual a função deste objeto, personagem ou inflexão? É mesmo necessário este trecho? Qual, antes de tudo, o objetivo, a mensagem deste filme? A cena que estou escrevendo contribui, de alguma maneira, para o enredo do filme? possui alguma ligação direta com a mensagem principal? O filme pode ser resumido, sumariamente, nos três atos da tragédia grega? O clímax convence? está bem amparado? Há justificativa dramática e psicológica para as ações das personagens? Poderia continuar citando, mas basta. O que penso, pois, é que esse tipo de pergunta parece-me fundamental para qualquer texto artístico e, humildemente, creio ser necessário fazê-las de forma metódica. Faulkner talvez não diria o mesmo mas, particularmente, dou graças ao cinema por tê-las entranhadas em minhas veias.

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Voto de silêncio

Há um personagem em meus contos que, fazendo voto de silêncio, diz o seguinte: “a paz de espírito é a surdez”. Esse personagem sou eu, em minhas insuportáveis reflexões. Não há nada capaz de irritar-me mais do que a palavra, o rumor de voz humana. Digo isso e certamente vocês pensam que faço piada. Mas, sempre que imagino um mundo perfeito, não há ruído: o silêncio é absoluto, imperturbável. E fico a pensar em quanto tempo passarei a me irritar também com a palavra escrita. Sejamos razoáveis: não tenho trinta anos, mas já tenho quase setenta. E se, em razão do avanço da idade, por uma compreensível e até natural diminuição de minha tolerância com as coisas, os signos gráficos passarem a incomodar-me? Bom, então eu realmente não sei o que mais a vida poderá guardar a mim.

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