Para além dos abalos incontornáveis…

Para além dos abalos incontornáveis na reputação de alguns dos autores analisados, a tese que permeia este Intellectuals, de Paul Johnson, parece justificar-se de maneira convincente pela variedade de exemplos oferecidos na obra. Demonstra Johnson que todo “intelectual” que se acredita capaz e deseja reformar o mundo segundo as próprias ideias acaba, cedo ou tarde, possuído por elas, o que significa adorá-las e tê-las acima da verdade, o que significa tomar partido delas em detrimento de pessoas reais. Possuído, converte-se em monstro moral, refutando pela conduta qualquer possível nobreza contida na ideia que o dominou. Em contrapartida, também demonstra Johnson que a saída para a atração magnética das ideias não pode se dar senão pelo apreço sincero à verdade e pela consciência de que uma ideia não vale uma vida. É uma obra que, como os bons tratados moralistas, humaniza por expor a desumanização.

Seria divertidíssimo um livro…

Seria divertidíssimo um livro, se é que ainda não foi escrito, que relatasse as peripécias financeiras de intelectuais nos últimos séculos, visto que frequentemente as encontramos curiosíssimas em muitas biografias. É fascinante notar que o tipo mais frequente de intelectual, e máxime de gênio, é absolutamente incapaz de uma vida financeira prudente, moderada, inteligente. Vemo-lo de praxe em dificuldades por longos períodos, o mais das vezes se não geradas, muito agravadas por ele próprio; normalmente, o estado que experimenta é de dependência, à mercê da sorte. Há grandes herdeiros, e há mais numerosos aqueles que empilharam dívidas, empréstimos e extravagâncias que só uma absoluta irresponsabilidade ou um otimismo injustificável ou uma completa estupidez poderia permitir. Mas raríssimos aqueles satisfeitos com uma vida modesta, custeada pelo próprio esforço, condizente com as próprias possibilidades e, sobretudo, que melhora à medida que o tempo corre em razão da conduta sensata e não de um golpe súbito de sorte. É sem dúvida algo impressionante.

O século XX não parece ter sido suficiente…

O século XX não parece ter sido suficiente para demonstrar o risco da politização da filosofia, nem os desastres decorrentes da interpretação do “ato” como ato político, ou da “responsabilidade” como princípio que pleiteia o indivíduo como agente coletivo. Persiste o esforço para desvirtuar o pensamento e empregá-lo como pretexto e recurso nesta fábrica moderna de ativismo, a despeito de comprovadamente só produzir destruição. É lamentável, mas não parece ser com menos ativismo que se poderá combater o ativismo atual.

Não se pode aceitar nem por um segundo…

Não se pode aceitar nem por um segundo o empacotar neste chamado existencialismo autores como Kierkegaard, Pascal e Dostoiévski, juntando-os a figuras como Heidegger e Sartre. Na verdade, o que mais espanta é ter sido justamente Sartre a propor tal empacotamento, como a inserir-se numa corrente fictícia e pretendendo tê-los absorvido todos, sem que lhe fosse objetado de pronto o absurdo de imaginar uma evolução de Pascal a Sartre. Nota-se, por exemplo, que Sartre emprega argumentos como “l’existence précède l’essence” ou “l’homme n’est rien d’autre que ce qu’il se fait” com o objetivo de pintar um homem isolado de sua circunstância, criado a partir do nada e independente desde o princípio, algo visivelmente antagônico ao pensamento cristão. E são, decerto, semelhantes disparidades que separam Sartre de vários outros rotulados “existencialistas”. Imaginar uma “corrente filosófica” que os une é algo que só interessa ao próprio Sartre, e que não deveria convencer ninguém.