A inteligência principia com a capacidade…

Se, como está dito, a inteligência principia com a capacidade de maravilhar-se, decorre também que quanto mais se dissemina a noção de normalidade, mais difícil é para que a inteligência se manifeste. Quer dizer: a começar pelo próprio universo, passando pela natureza, pela sociedade até culminar nos detalhes do cotidiano, mirar tudo isso e tê-los como naturais, corriqueiros, em vez de espantar-se da sucessão extraordinária de fatores necessários para gerá-los, é mesmo coibir a manifestação do intelecto.

Parece mais proveitoso ao artista esse anseio…

Custa dizê-lo, mas parece mais proveitoso ao artista esse anseio frustrado por isolamento, que tem de aceitá-lo inviável e digladiar-se num cotidiano aparentemente inimigo, do que o isolamento efetivo, pleno e consumado. No primeiro caso, temos um espírito energizado pela circunstância; no segundo, um incentivo à inércia. No primeiro caso, um esforço que renova e justifica o anseio, que faz com que o artista valorize muito mais o isolamento quando parcialmente alcançado — porque esta é a verdade: seu anseio, na pior das hipóteses, pode sempre ser alcançado parcialmente, e com melhor proveito do que se pode supor.

Há coisas que só se aprende cedendo…

Há coisas que só se aprende cedendo, e só se aprende obrando pelo interesse alheio, coisas cujo valor aumentou sobremaneira por rarearem modernamente. Melhor que aprendê-las, contudo, é recordá-las pela prática mencionada, suplantando a armadilha de compreender uma realidade pobre em razão de compreendê-la somente na parte que se acha em torno de si.

A abordagem de Ortega y Gasset para o problema…

A abordagem de Ortega y Gasset para o problema da circunstância é um dos lances mais lúcidos da filosofia moderna. Quer dizer: a noção de que não há revoltar-se contra ela, mas integrá-la, ou ao menos esforçar-se de contínuo por integrá-la na personalidade, algo que não se dá senão aprendendo aquilo que ela tem para ensinar. Tal problema, em verdade, intensificou-se à medida que se popularizou o voltar os olhos para dentro, um ato que, se radicalizado, acaba por repudiar a realidade exterior. Acontece que este repúdio nunca alcança os efeitos desejados, resultando apenas em distúrbios e conflitos sem solução que não passe pela aceitação de que a circunstância é, sempre, elemento inalienável do ser.