Seria divertidíssimo um livro, se é que ainda não foi escrito, que relatasse as peripécias financeiras de intelectuais nos últimos séculos, visto que frequentemente as encontramos curiosíssimas em muitas biografias. É fascinante notar que o tipo mais frequente de intelectual, e máxime de gênio, é absolutamente incapaz de uma vida financeira prudente, moderada, inteligente. Vemo-lo de praxe em dificuldades por longos períodos, o mais das vezes se não geradas, muito agravadas por ele próprio; normalmente, o estado que experimenta é de dependência, à mercê da sorte. Há grandes herdeiros, e há mais numerosos aqueles que empilharam dívidas, empréstimos e extravagâncias que só uma absoluta irresponsabilidade ou um otimismo injustificável ou uma completa estupidez poderia permitir. Mas raríssimos aqueles satisfeitos com uma vida modesta, custeada pelo próprio esforço, condizente com as próprias possibilidades e, sobretudo, que melhora à medida que o tempo corre em razão da conduta sensata e não de um golpe súbito de sorte. É sem dúvida algo impressionante.
Categoria: Notas
O século XX não parece ter sido suficiente…
O século XX não parece ter sido suficiente para demonstrar o risco da politização da filosofia, nem os desastres decorrentes da interpretação do “ato” como ato político, ou da “responsabilidade” como princípio que pleiteia o indivíduo como agente coletivo. Persiste o esforço para desvirtuar o pensamento e empregá-lo como pretexto e recurso nesta fábrica moderna de ativismo, a despeito de comprovadamente só produzir destruição. É lamentável, mas não parece ser com menos ativismo que se poderá combater o ativismo atual.
Não se pode aceitar nem por um segundo…
Não se pode aceitar nem por um segundo o empacotar neste chamado existencialismo autores como Kierkegaard, Pascal e Dostoiévski, juntando-os a figuras como Heidegger e Sartre. Na verdade, o que mais espanta é ter sido justamente Sartre a propor tal empacotamento, como a inserir-se numa corrente fictícia e pretendendo tê-los absorvido todos, sem que lhe fosse objetado de pronto o absurdo de imaginar uma evolução de Pascal a Sartre. Nota-se, por exemplo, que Sartre emprega argumentos como “l’existence précède l’essence” ou “l’homme n’est rien d’autre que ce qu’il se fait” com o objetivo de pintar um homem isolado de sua circunstância, criado a partir do nada e independente desde o princípio, algo visivelmente antagônico ao pensamento cristão. E são, decerto, semelhantes disparidades que separam Sartre de vários outros rotulados “existencialistas”. Imaginar uma “corrente filosófica” que os une é algo que só interessa ao próprio Sartre, e que não deveria convencer ninguém.
A inteligência principia com a capacidade…
Se, como está dito, a inteligência principia com a capacidade de maravilhar-se, decorre também que quanto mais se dissemina a noção de normalidade, mais difícil é para que a inteligência se manifeste. Quer dizer: a começar pelo próprio universo, passando pela natureza, pela sociedade até culminar nos detalhes do cotidiano, mirar tudo isso e tê-los como naturais, corriqueiros, em vez de espantar-se da sucessão extraordinária de fatores necessários para gerá-los, é mesmo coibir a manifestação do intelecto.