O homem que necessite compreender…

O homem que necessite compreender a realidade e compreender-se para empreender uma tentativa de integração será, mesmo, um estranho. E mais se achará estranho quanto mais compreenda da realidade e de si, quanto mais se convença de que o que sabe é pouco, e que não pode aceitar a realidade apenas porque ela é. Ao mesmo tempo, será assaltado de todas as direções em razão de sua incapacidade para a adaptação passiva, e acabará estigmatizado por ser o que é. Enfrentará, assim, grandes e singulares dificuldades por não conseguir se livrar de sua predisposição. Apenas com sorte, o mundo lhe parecerá menos que hostil. E apesar de tudo isso, e a despeito de quanto enfrente e de quanto sofra, a infelicidade lhe só será garantida e completa caso deixe de cumprir o seu dever.

É um tanto curiosa a velada homogeneidade…

É um tanto curiosa a velada homogeneidade na ideia que se faz da evolução histórica no ocidente moderno, quando há enorme acessibilidade a historiadores já consagrados cujas obras desmantelam essa mesma ideia. Quer dizer: o sujeito proclama o que descobriu muito bem documentado em fonte confiável, às vezes em publicação que se deu há mais de meio século, e ainda assim é tido como louco, como inimigo e como criminoso. O consenso velado, por algum motivo, quer-se e perdura imune a determinadas obras. Mas é preciso notar que, pelo menos depois de Hegel, ser historiador tornou-se, em grande medida, ser também iconoclasta.

Se, por um lado, é muito útil ao artista…

Se, por um lado, é muito útil ao artista não se afobar e guardar algumas de suas inspirações para que possa melhor trabalhá-las, por outro tem de desenvolver um senso muito apurado para reconhecer os seus estados de espírito e ideias excepcionais, tem de saber, em suma, quando é imprescindível aproveitar o momento. Há ideias que, lamentavelmente, passam, e estados de espírito que só se experimenta uma vez. A idade sobretudo o demonstra. O escritor experiente, por mais experiente que seja, não pode retornar ao passado para escrever. Nada há de mal nisso, exceto se, por demasiada cautela, perceba nele uma oportunidade que se perdeu.

Vou a São Paulo e, como sempre…

Vou a São Paulo e, como sempre, fico a reparar o trânsito paulistano. É mesmo uma obsessão. Tomo um táxi, e despejo no taxista as minhas teorias. Ensino ao profissional do trânsito como se troca de faixa em São Paulo, o significado da faixa da esquerda, e lhe vou apontando o sentido implícito de cada movimento realizado por outros motoristas. Provo-o que o paulista sabe dirigir e tem educação. O sujeito logo perde a timidez e gargalha diante das histórias que lhe vou contando de outras paragens, até que enfim é convencido de ser feliz no trânsito mais lento do Brasil. Desço e já penso no próximo táxi, onde contarei novamente as mesmas histórias; Por vezes, chego a dividir o percurso em duas corridas para poder contá-las duas vezes. E acabo, assim, divertindo-me também. Enfim, nada tendo que ver com as provocações de meus personagens, saio sempre de São Paulo com a sensação de que o paulista é, mesmo, um sujeito boa-praça.