Os caçadores de cacófatos

Não há senão rir, e rir a plenos pulmões, desta crítica que enxerga “um mamão” em “uma mão” e faz divertidíssimas transformações como “a não dizer” em “anão dizer”. Sem dúvida, o que fazem tais caçadores de cacófatos não é crítica literária, mas humor, e humor de ótima qualidade. É preciso estar muito ocioso, ou ser um legítimo palhaço para querer condenar um autor pelo que não disse e nem ao menos pensou em dizer, por algo só divisável numa cabeça inteiramente vazia, que devaneia em vez de prestar a devida atenção naquilo que lê.

Só mesmo uma notícia funesta…

Só mesmo uma notícia funesta para restaurar a razão e colocar as expectativas em seu devido lugar… E todo o desleixo, todo o tédio e torpor para com a existência subitamente se dissipam, quando as circunstâncias compelem à percepção de que é da morte que deriva o sentido de todas as coisas, o senso de urgência, a necessidade de fazer. Então se escancaram o fútil e o importante, o verdadeiro e o falso, a razão pela qual se deve prosseguir com firmeza e resolução, deixando de lado tudo quanto seja ilusório e desvie daquele âmago sem o qual o melhor seria não existir.

Muito menos impressiona o impacto da morte…

Muito menos impressiona o impacto da morte e seus inumeráveis arautos do que a capacidade humana de viver ignorando-os todos, viver como se a possibilidade de que subitamente se mostrassem fosse inexistente. É realmente extraordinário que o grosso das mentes passem a vida inteira sem refletir por um segundo nesta que talvez seja a única certeza existencial, e que portanto nem suspeitem da escancarada fragilidade de tudo. E assim de novo e de novo aquele que pensa há de defrontar a surpresa alheia com aquilo que, de forma nenhuma, deveria surpreender.

Teoria do verso, de Rogério Chociay

É demasiado fácil apontar os defeitos e lacunas de uma obra como esta; difícil mesmo é dimensionar o esforço monstruoso necessário para a sua realização. Sem dúvida, apresentar um todo coerente, trilhando sendas apenas apontadas por predecessores, numa obra deste fôlego e desta complexidade, não é tarefa simples. E parece, mesmo, que pela clareza, pela abundância e qualidade de exemplos, é este, de longe, o melhor e mais completo tratado de versificação que há em português. De resto, é parabenizar o excelente trabalho do professor.