Se o autor é sincero e fiel à sua experiência…

Uma infinidade de exemplos demonstra que, se o autor é sincero e fiel à sua experiência, fiel à sua motivação artística, a obra que cria jamais se enquadra em modelo nenhum. Ela sai, é claro, com traços que evidenciam mais ou menos suas influências, mas vem também carregada de uma ambiguidade, de uma singularidade toda especial. Ainda que falhe na expressão, ainda que lhe falte estro para concretizar o planejado, a obra sempre terá no íntimo aquela sinceridade sem a qual não se faz arte duradoura. E isso é o principal.

Sobre Lima Barreto

Lima Barreto é dos autores brasileiros mais comentados. E praticamente tudo quanto se diz sobre sua obra é falso, ou, pelo menos, temos dela uma visão radicalmente distinta quando simplesmente a lemos, dispensando os intermediários. Dizê-lo parece ocioso, não houvesse tantos autores que sobrevivem por uma imagem fabricada. Sobre a obra de Lima Barreto, as virtudes alegadas, são todas elas concebidas para se encaixar numa visão de mundo simulada; os defeitos, não servem senão para esconder o que há nela de significativo. Falseiam-lhe mesmo a biografia, que não deixa dúvidas quanto à autenticidade da motivação literária, a despeito de quanto mais se pode dizer. Afinal, o que há de ser feito é analisar-lhe na obra o que há de sincero; e quando o fazemos, a conclusão é só uma: Lima Barreto honra a profissão de escritor.

Somente o caráter

Já disseram com acerto que, de uma biografia, resta somente o caráter do biografado. E percebemo-lo especialmente nos exemplos que pareceriam contradizer a regra: na biografia de homens que legaram uma obra intelectual. Destes, os quais marcaram por algo que não ações práticas, após lhes analisarmos a vida retemos a imagem do que foram no mundo prático, das decisões que tomaram, do temperamento e do cotidiano. Lembramo-nos de como viveram. Lembramo-nos do libertino, do consequente, do sorumbático e do canalha. Tudo isso ensina muito, e firma um laço indissociável entre o imaginativo e o real.

A mente possui mesmo esta tendência…

A mente possui mesmo esta tendência de irritar-se com pequenos e grandes distúrbios, prolongando indefinidamente a irritação, muitas vezes planejando alguma ação reativa, imaginando seus desdobramentos e enfrentando-os no plano imaginário. O que não costuma lhe ocorrer é que, esquecida, a irritação cessa. Mas se quiser mesmo vencê-la, se quiser mesmo transformá-la em algo positivo e edificante, basta que esmague as argumentações infindáveis do raciocínio instintivo manifestando, em ato concreto, benevolência perante o irritável. Como por mágica, a paz mental desponta e a irritação transforma-se num sentimento bom.