Parece haver em cada vida individual uma série de decisões necessárias, que se efetivam na biografia quer por bem, quer por mal. No primeiro caso, tudo parece fluir tão naturalmente que a decisão às vezes passa imperceptível, como se fosse um desdobramento inevitável e não propriamente uma decisão. Porém, caso negligenciada, a vida prossegue carregando uma questão pendente, que vai progressivamente se agravando, paulatinamente concentrando mais e mais tensões, até que chega um momento em que é impossível escondê-la, impossível suportá-la, e a vida inteira parece convergir e pressionar para que se tome aquela decisão anterior, que agora se efetiva com atraso, e acarreta, junto de um grande alívio, a sensação de que muito tempo se perdeu.
Categoria: Notas
Em literatura, é depois de se ter investido…
Em literatura, é depois de se ter investido horas e horas de esforço por muitos anos que se alcança o grau de comprometimento ideal. Antes disso, move-se mais por uma motivação que, grande ou pequena, caso cesse fará que se interrompa o desenvolvimento da vocação. Depois dessa fase, é sempre perante um trabalho monstruoso já realizado que o escritor irá se confrontar. Já não há volta, o que está feito impõe-se, e o necessário é simplesmente continuar.
Há uma mudança positiva quando…
Há uma mudança positiva quando se aprende a valorizar as experiências do passado sem sentir simultaneamente o desejo de revivê-las. Poder-se-ia dizer que fazê-lo é algo como estimular e apreciar a memória, bloqueando ao mesmo tempo a saudade. O sentimento resultante não tem nome, mas agradece pela experiência colocando-a em seu lugar. E disso nascem lições valiosas, cuja principal talvez seja a noção de que há tempo para tudo acontecer. Aprende-se vivendo, e o aprendizado é o reconhecimento de que o vivido teve o seu lugar.
O líder mundial em homicídios
Parece impossível que não saia da literatura brasileira contemporânea as notas trágicas e a gravidade das quais historicamente careceu, agora que o país consolidou-se como líder mundial em homicídios. O contrário seria um atestado de morte para a literatura nacional. Se, ao menos relativamente, o Brasil foi poupado das grandes tragédias no passado, a realidade agora se impõe em forma de escândalo humanitário, de maneira tão violenta que apenas conscientemente o escritor pode ignorá-la. E ignorá-la, decerto, seria trair a sua profissão.