O choque que sofri após a primeira leitura de Crime e castigo, provavelmente o mais determinante de minha vida inteira, deveu-se, em grande medida, à constatação de que o que Dostoiévski fez em Crime e castigo ser diferente de tudo quanto eu já havia testemunhado, dentro e fora das letras, e à constatação da imensa nobreza deste intento. Fazer algo assim, concluí, justifica e dignifica uma existência. E é tão diferente o que faz Dostoiévski e alguns outros autores que, hoje, já há mais de uma década distante daquela primeira impressão, percebo que o tempo não fez senão reforçá-la. Um livro como Crime e castigo não sairá jamais da pena de alguém que deseja contar simplesmente uma história. Por isso, é com absoluta naturalidade que leio as linhas de Joseph Frank revelando que, após uma combinação dramática de circunstâncias, Dostoiévski escreve ao irmão dizendo que, a partir daquele momento, o objetivo de sua vida seria estudar o sentido da vida e do homem. Sem essa resolução consciente, ele jamais conseguiria se aproximar do que fez.