Estou pensando em Nelson Rodrigues e seu célebre diagnóstico:
Por “complexo de vira-lata” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.
Não posso deixar de fazer ressalvas. Quanto aos pretextos, deixo para uma próxima. Vamos hoje do princípio do raciocínio. Nelson travava relações com pessoas da melhor instrução. Sua análise é precisa quando aplicada aos brasileiros ilustrados ou, em outras palavras, aos brasileiros cientes de que o planeta se não resume no Brasil. Há uma distância imensa entre a visão de mundo do que podemos chamar de “classes cultas” e da plebe brasileira. Admira a Europa, os Estados Unidos aqueles que lá estiveram ou, ao menos, aqueles que de lá têm algum conhecimento. Nas classes mais baixas, o “complexo de vira-lata” não só é inexistente, como transmuta-se no fenômeno oposto. O brasileiro médio, isto é, o inculto, ufana-se de patriotismo e estufa o peito para falar do Brasil. Se não declara inexistentes todos os outros países, então para com eles demonstra uma hostilidade impressionante. É conversar com pouco instruídos e descobrir que muitos deles possuem opiniões fortíssimas contra a China, contra a Rússia ou contra várias outras nações, mesmo incapazes de apontar-lhes num mapa a localização. É dizer ao brasileiro médio coisas como a grandeza do território, a potência natural, a diversidade e, especialmente, o futuro de seu país e vê-lo, emocionado, a dizer pelos olhos de qual complexo padece.