Lendo Heidegger, senti vontade de sair à rua e dar uma paulada no primeiro ser humano que encontrasse. Exasperante! E engraçadíssima a reação, em especial por minha enorme tolerância diante do que me desagrada. Pouco antes de Heidegger, havia defrontado várias das páginas mais detestáveis que já li sem um único impulso violento, sem nenhuma vez sentir vontade de rasgar o livro e agredir fisicamente um companheiro de espécie. Qual a diferença? A diferença é que, nas páginas de Rousseau, um sujeito incapaz de conceber o que seria honra ou dignidade pessoal, havia ao menos sinceridade. E mais do que sinceridade: havia estilo, concisão, vigor numa prosa que, sem dúvida, é uma das melhores da língua francesa. Nela, ler o infame é quase prazeroso. Rousseau sabe construir períodos, encadeá-los, fazer deles a progressão lógica de um pensamento e expô-lo de uma maneira franca. Heidegger, não. Heidegger se esconde atrás de uma linguagem estupidamente abstrata, cujo papel mais significativo é fazer o banal passar por importante. Heidegger afeta precisão metódica através de rodeios ridículos, típicos daquele que não tem muito o que dizer, e uma leitura atenta capta a farsa. Heidegger engana o leitor. Mas por que o comparativo? Já quase me esqueço… Rousseau, cuja principal obra poderia ter como subtítulo “A fundamentação suprema da demagogia”, cujas linhas não tratam senão de ditar regras e dizer como os outros deveriam se comportar, ainda me parece menos vaidoso do que o sujeito que, em ostensiva impostura linguística, constrói uma obra ilegível a fim de impressionar.