Mário Ferreira dos Santos, sobre Nietzsche:
Era ele adversário do Estado, o monstro moderno, o Moloch dos nossos dias, o devorador de homens e de consciências, a mais brutal criação da fraqueza humana e que terminará por cansá-la totalmente, a ponto de, um dia, abominar todas as formas de opressão, e destruí-las com um ímpeto que fará estremecer as páginas da história. Não o poderá facilmente compreender esse homem de hoje, esse cativo que lambe as algemas, esse “Haustier”, esse animal domesticado, que se acostumou a adorar o monstro de que ele fala.
A nota data de 1957. Que dizer? Pouco mais de meio século, e podemos verificar a precisão da brilhante observação de Mário. O colapso do estado moderno é inevitável, entretanto… o “cativo que lambe as algemas” continua, passivo, a lambê-las, num estado de inconsciência admirável em que não exibe o menor sinal de esgotamento. A situação só fez agravar: o monstro cresceu, ampliou-lhe o domínio, e já dispensa qualquer pudor. A questão, porém, perdura estática: até quando? De um lado, a reação é inevitável; doutro, o despertar parece distante. O que resta evidente é que, como bem previu Mário, chegará o dia em que o “devorador de homens e de consciências” ver-se-á diante de uma explosão violentíssima e extraordinária, oriunda de uma letargia que aparentava perpétua.