Em contraposição radical a um texto não ficcional em prosa, cujo objeto é habitualmente a racionalidade, encontra-se a poesia, cuja finalidade frequentemente é premiada com a incompreensão.
O poeta nunca se senta a preocupar com a exposição lógica de uma ideia ou sentimento: o que ele busca é a potência de expressão, a beleza. E melhor o poema cujo sentido é sugerido, — e não demonstrado lucidamente, — abrindo espaço para interpretações, em oposição total ao caráter de um texto científico.
Pois bem. Edgar Allan Poe, neste ensaio intitulado O princípio poético, discorre sobre sua concepção da poesia. Comentemos alguns trechos, em tradução livre:
Sustento que um poema longo não existe. Sustento que a frase “um poema longo”, é simplesmente uma contradição terminológica grosseira.
Polêmico. Mas se compreendemos um longo poema como a concatenação de unidades poéticas menores, faz sentido o raciocínio de Poe.
Uma construção poética carece ser carregada de um mesmo tom, de um objetivo bem definido, do contrário será menos potente. O poema, nesta lógica, resume-se a um movimento único de ascensão.
Poe continua, dizendo sobre onde julga estar o valor de um poema:
O valor do poema está na medida em que esta excitação eleva. Mas todas as excitações são, devido a uma necessidade psíquica, transitórias. Esse grau de excitação que daria direito a um poema ser digno do nome não pode ser sustentado ao longo de uma composição de grande comprimento.
Justo. Qualquer arroubo é, por definição, transitório. É impossível sustentar por muito tempo uma excitação sem que ela perca a própria força.
Mas que dizer dos grandes poemas épicos?
Poe é categórico, referindo-se à Ilíada:
Em relação à Ilíada, temos, senão provas, pelo menos fortes razões para acreditar que foi concebida como uma série de líricas; mas, admitindo a intenção épica, só posso dizer que a obra é baseada em um sentido imperfeito da Arte.
Aqui, uma nota.
O ápice de vários dos grandes poemas é subordinado à construção de uma atmosfera preparatória — às vezes, pode-se dizer, desnecessária, mas muitas vezes fundamental, e várias das melhores construções poéticas têm a própria unidade como caráter qualitativo e tonificador.
Desperdiçar versos a construir como se faz em prosa certamente prejudicará a qualidade de um poema. Mas como negar, por exemplo, que o Paraíso, mesmo construído em cantos menores, como sugerido por Poe, não tem o efeito amplificado por estar onde está na Divina Comédia?
Difícil…
Novo trecho interessante:
Não se deduz, porém, que os incitamentos da Paixão, ou os preceitos do Dever, ou mesmo as lições da Verdade não podem ser introduzidas em um poema, e com vantagem; pois podem servir incidentalmente, de diversas maneiras, aos propósitos gerais da obra: mas o verdadeiro artista sempre se esforçará para subordiná-los devidamente àquela Beleza que é a atmosfera e a verdadeira essência do poema.
A moral, a verdade e o juízo são, para o poeta, correntes. O que o poeta sente ou pensa necessariamente tem de estar em segundo plano no ato da construção poética.
Quer dizer: ao compor um poema, o poeta tem de voltar totalmente o espírito à construção de uma beleza suprema, harmônica e plena, mesmo que isso exija um despego de sua própria essência: um poema, se bem-sucedido, ultrapassa os conceitos do artista que o gerou.
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