É com grande entusiasmo que leio notas de escritores justificando, neste século, o uso da tinta e do papel. São os argumentos referentes à produtividade que mais me impressionam: para muitos, o ritmo cerebral parece ajustar-se melhor à escrita manual. Espanto-me por notar que, durante séculos, exatamente assim se fez literatura, por este método que é como avesso ao meu modo de escrever. Não há dúvida que há um certo charme, um certo encanto em ver a tinta no papel, em ver na caligrafia mais um traço da singularidade do autor, em ver a cadência natural da escrita à mão, pela qual lentamente as letras tomam forma, a ideia transforma-se em palavras e a criação mental concretiza-se materialmente. É tudo isso estimulante. Porém… que dizer? Afirmam tais escritores que a morosidade do método favorece a reflexão justa e, portanto, saem as palavras mais precisas. De minha parte, não conheço a escrita senão como um processo muito mais de destruição e reconstrução de frases: a mente, auxiliada pelo velocíssimo bater dos dedos nas teclas, jorra ideias desordenadamente na tela; o cérebro então raciocina e vai ordenando e modelando tais ideias, que vão sendo reescritas de maneira mais adequada. A cada duas frases, uma é completamente apagada e melhor conformada em nova tentativa; no fim do parágrafo, novas correções… Então fico aqui a imaginar que faria eu caso tivesse de adaptar-me ao papel e à tinta: e parece-me, mais do que nunca, justificada a sempre acesa fogueira de Kafka.