Se é verdade que a profissão, ou melhor, o ganha-pão exerce inevitável influência nos temas os quais se inclinam os escritores a abordar nas suas obras, há, certamente, profissões e profissões. O direito, em maior ou menor medida, inclina à percepção de burocracias e injustiças intermináveis. O jornalismo, à perfídia. Nestes dois exemplos, é difícil que a temática não conduza, também, a um determinado tom. Portanto, apesar de ambas as áreas de atuação aparentarem possuir um elo íntimo com as letras, cai-se facilmente em lugares-comuns quando nelas se busca a matéria-prima para a obra. Por outro lado, profissões aparentemente menos ligadas às letras, como a medicina, especialmente a medicina de consultório, fornecem um arsenal de experiências humanas variadíssimo e muito difícil de classificar. Neste caso, não parece a extração do material vir acompanhada da sugestão de temática, nem do tom.
Como é difícil a criação da obra positiva!
Ah, como é difícil a criação da obra positiva! O mais fácil, sempre, é deixar-se levar pelo caminho apontado pelas impressões negativas… e, pior, no trilhar desta via contrária, desta via do maior esforço, muitas vezes parece faltar o estro, falhar o raciocínio e o resultado sai como chocho, insatisfatório. Só com muita paciência e muita vontade supera-se essa infeliz inclinação…
O duro é notar que, a despeito de todo planejamento…
O duro é notar que, a despeito de todo planejamento, retorna e manifesta-se sempre esta força estranha que impele a uma direção imprevista, quando não anteriormente rejeitada, e acaba, pois, determinante. Aceitá-la com respeito, integrá-la e mesmo valorizá-la é tarefa dificílima; sem o fazê-lo, porém, não se avança e nem se compreende nada.
Há mais de meio século…
É deprimente notar que, há mais de meio século de sua morte, ainda não se encontram edições decentes da obra de Mário Ferreira dos Santos, e tenhamos de lê-lo em rascunho, com os erros ortográficos, sintáticos, com as repetições descabidas e demais lapsos típicos de um rascunho, facilmente corrigíveis pelo mais incompetente e inapto editor. É um contraste absurdo: altíssimos temas sendo expostos em meio a erros de redação primários. Erros, mais uma vez, naturais de um rascunho e facilmente corrigíveis numa revisão. Quão miserável tem de ser um país para permiti-lo ao seu maior filósofo?