Ainda que beirem o irreal e o inconcebível, sem dúvida os textos místicos são leitura mais agradável que a mesquinhíssima literatura do banal. Porque aquela, como as lendas e como a literatura fantástica, possui um teor sugestivo muito mais estimulante do que este realismo corriqueiro, que faz com que a leitura aparente uma tremenda perda de tempo. Se é para imergir nas letras, que seja para que a mente se expanda, e não para que se aprisione naquilo que não carece nem de letras, nem de imaginação.
O desdém é a resposta mais infantil…
O desdém é a resposta mais infantil perante a realidade dos milagres. Encará-los sinceramente é um inigualável exercício de humildade, que impõe a consciência de uma insignificância e uma vulnerabilidade estranhas à presunção moderna. Em verdade, encará-los com sinceridade é correr o risco de descambar num estado de paralisia, quiçá desânimo, perante a confrontação irrefutável daquilo que há e aquilo que se é.
Sempre coube à filosofia, e não à religião…
Sempre coube à filosofia, e não à religião, demonstrar que é-se antes, depois, e além da matéria. Até recentemente, tal matéria foi consensual, visto que a atestava o mais humilde camponês, ainda que dispusesse como ferramenta única de validação a percepção direta. Hoje, naturalmente, tudo mudou. E quando levamos em consideração a simplicidade do raciocínio que conduz à necessidade da antiga conclusão, é realmente um assombro a quantidade de obstáculos que o homem moderno tem de superar para alcançá-la. Ele tem de, primeiro, desfazer uma infinidade de enganos, despegar-se de uma série de noções estúpidas, em suma, deseducar-se. E o pior é que, dizendo desta maneira, não se expressa o tremendo esforço necessário para fazê-lo, que envolve um quase desligamento do próprio tempo e uma quase negação da própria experiência. Este esforço, como se vê, parece demandar a fibra de um devoto, e por isso a dita consciência, hoje, tem se alcançado mais facilmente pela religião do que pela filosofia.
Uma das maiores dificuldades inerentes…
Uma das maiores dificuldades inerentes da investigação da realidade é harmonizar a consciência da insignificância individual com a necessidade individual de agir. A primeira vem automática, quando se contrasta o tamanho e a complexidade do universo com as possibilidades daquele que o observa. Porém, admitindo-se o ser, admitindo-se o irrevogável do ser, tem de se admitir também um motivo, uma necessidade. Daí a conclusão: é-se quase nada, o que se faz é quase nada, mas é-se porque é força ser e fazer.