Apesar de que os primeiros anos…

Apesar de que os primeiros anos de uma vida intelectual pareçam, de longe, os mais frutíferos, nos quais cada um deles como opera uma transformação completa no conhecimento, após certo tempo, embora o avanço aparente perder momentum, é notável o ganho em orientação. Quer dizer: no início, quando tudo é novidade, descobre-se muito, mas o conhecimento se amplia simultaneamente em muitas direções, e dificilmente se vislumbra um direcionamento, dificilmente se percebe para onde o esforço irá conduzir. Após alguns anos, erra-se muito menos, e embora aumentem as dificuldades, avança-se com mais consciência para onde se quer.

É bem sabido que, do nascimento à vida adulta…

É bem sabido que, do nascimento à vida adulta, todos somos submetidos a uma sucessão de fases, ou problemas, passíveis de uma esquematização que parte desde a consciência do meio e da individualidade, até problemas mais complexos como a racionalização das emoções ou a integração social. Todos o experimentamos, embora em idades que possam variar e em circunstâncias certamente diversas. Nisso percebemos que pode ser estabelecida, também, uma hierarquia de problemas, dos mais básicos aos mais complexos, geralmente atrelados a faixas etárias, de forma que, para lidar com problemas mais altos na hierarquia, é preciso ter superado, ainda que provisoriamente, os problemas anteriores. Tal avanço envolve uma mudança gradativa nos focos de interesse, uma mudança natural e necessária, exigida pelo próprio amadurecer. É impróprio ao adulto ainda digladiar-se, por exemplo, por autoafirmação, visto que é este um problema característico da adolescência. Igualmente, uma crise existencial verdadeira é característica de um adulto maduro e bem formado. De tudo isso, nota-se o seguinte, raríssimas vezes observado pela crítica literária: o artista, por mais hábil que seja, se se concentra em problemas mais básicos e mais universais, seguramente atingirá um público maior e será melhor compreendido; contudo, a sua obra simplesmente não poderá sustentar o interesse de alguém com o conhecimento da relevância de tais problemas e de sua posição na hierarquia geral, alguém para o qual tais problemas já se encontram há muito superados, e portanto cujo interesse voa por altitudes muito superiores. Daí que não há como fugir: o artista, para ser realmente grande, não pode se limitar a servir o grande público.

A publicidade, como a polêmica…

A publicidade, como a polêmica, é dispensável em literatura e requer uma predisposição. A partir do momento em que se entra neste jogo, é preciso ter talento para não se desviar e não se corromper. Imaginar um Kafka, por exemplo, lidando com tais protocolos é impossível. Ao pensar em seus escritos nas mãos do grande público, Kafka julgou mais conveniente queimá-los, e isso demonstra que, fosse forçosa a publicidade, jamais escreveria o que escreveu. É, mesmo, questão de vocação o perdurar com a seriedade e sinceridade diante de uma plateia qualquer.

Às vezes parece que essa necessidade crítica…

Às vezes parece que essa necessidade crítica aglutinadora, que se dá com a finalidade de apresentar uma visão histórica panorâmica dos rumos tomados pela literatura, mais prejudica do que facilita a compreensão dos autores. Quer dizer: se para autores menores a aglutinação funciona, para os grandes ela parece falseá-los, e ficamos com a impressão de que muito melhor seria, em vez de enquadrá-los numa coletividade, simplesmente confrontar-lhes vida e obra, como é feito com notório sucesso nalgumas biografias. O que salta aos olhos é que a crítica, às vezes, para explicar o conjunto, deforma completamente o individual.