Quando se segue a recomendação de Ortega y Gasset, de Viktor Frankl e de Louis Lavelle, os quais, sob prismas diferentes, ressaltam a importância de buscar a integração da circunstância individual no plano da existência, o ato adquire, decerto, uma solidez extraordinária, e a vida embebe-se de seriedade. Mas há, aqui, um problema inevitável, o de que às vezes a circunstância é tão miserável e deprimente, que sua assimilação chega a ser perigosa. Quer dizer: aquele que deseja mirar e compreender a realidade crua, se tomado por este senso de responsabilidade perante a circunstância, não pode fazê-lo jamais como um observador distanciado e imparcial. O que chama para si é aquilo que sofre, o que busca integrar é aquilo que o estorva, pressiona, deprime. O que faz é o contrário da vereda racional do distanciamento, e esta tarefa nunca é empreendida sem deixar profundas marcas no caráter. O resultado pode não ser nada bom…
Profetizou Dostoiévski…
Profetizou Dostoiévski, e hoje o exibicionismo entranhou-se nos costumes de tal maneira que o não praticá-lo é escandaloso. O maior mal derivado deste comportamento é a noção comum de que aquilo que não é exposto, não é; que para ser, tem de ser compartilhado. E então se dá aquela velha história de que a mentira, impulsionada pelo crédito, torna-se verdade: aquele que nela acredita acaba, de fato, sufocando a sua dimensão interior.
Tal como o ato público mais vale…
Tal como o ato público mais vale por seu caráter educativo, o mais que merece é um atestado de educação. Para além disso, já se entra no terreno da vaidade que, quando não aprisiona, corrompe. O alarde é sempre vicioso, e o bem que se faz alardeando se faz com mais mérito em silêncio. Só com muito esforço se consegue preservar a sinceridade do ato empregando-o como instrumento para a obtenção de aprovação social.
O tédio, a lassidão e os vícios que deles decorrem…
O tédio, a lassidão e os vícios que deles decorrem só se dão quando não se executa algo para o qual o espírito se volta motivado. Como não se pode fazê-lo o tempo inteiro, todos experimentamos algo destes vícios. Contudo, há uma diferença enorme entre aqueles que diariamente exercem algo motivante, e que portanto lhes suga a atenção e o interesse, e aqueles que não o fazem. Estes acabam como que se deixando conduzir por impulsos automáticos, num ciclo que não pode senão produzir o tédio mais incômodo e nocivo. Privam-se, pois, desta delícia que é o entusiasmo por alguma finalidade, que é direcionar a ela o espírito cheio e experimentar a sensação de que o tempo foi bem aproveitado. A própria vida, como por mágica, torna-se estimulante.