Fechei essa obra e senti-me, pela primeira vez, absolutamente humilhado por um livro. Pensei, convicto, que possuía algum défice de inteligência. E dei graças a Deus jamais ter publicado uma linha. Eu, vejam vocês, já era leitor de Dostoiévski, e havia lido seis de seus livros, incluindo os principais, com exceção de O idiota — e agradeço não ter taxado o livro de cômico… — Pensava, entre outras coisas, o seguinte: sou imune ao niilismo. Para mim, resposta estava clara nas obras de Dostoiévski, e nunca sequer questionei: “Dostoiévski passou a vida falando de niilismo, escreveu centenas de linhas sobre niilismo. Quem sabe o tema não tenha alguma relevância?”. E Pondé, dando-me as boas-vindas e ensinando-me a usar o cérebro, atirou-me num abismo niilista, onde senti a existência pesar. Li seu ensaio e vi que, apesar de duas ou três mil páginas lidas, não sabia absolutamente nada de Dostoiévski. Para resumir: jamais havia percebido as manifestações de Deus em Dostoiévski, o que me permite rematar: não fazia ideia de quem era Dostoiévski. Claro, vi Deus quando Sônia lê a passagem de Lázaro a Raskolnikov, mas nunca vi Deus no silêncio. E aí está tudo: Pondé mostrou-me que, em Dostoiévski, Deus se faz presente no silêncio. Fechei o ensaio resoluto: preciso, urgentemente, deixar essa coisa de estudar. Mas, já de cabeça fria, agradeci existir um Pondé. E disse para mim: lerei novamente cada um dos livros de Dostoiévski. Hoje, creio ter acertado na escolha.
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