Já é corriqueira a assertiva de que a hipocrisia é a substância da moral pública, e que, sem ela, são impossíveis as relações sociais. Justo, embora não pela consequente impressão de que se deve tolerá-la integralmente. Há um limite, como há hipocrisias. A hipocrisia, tal como a mentira, só se justifica quando evita que se atravesse a fronteira da educação. No mais, o que faz é diferenciar homens de canalhas, e não se pode admiti-la sem que também se admita o naufrágio completo do próprio valor.
O moralismo é imprescindível
Os moralistas são, de fato, imprescindíveis para qualquer estudante sério, tal como o moralismo é imprescindível para a justa compreensão do homem. Sem ele, cai-se em incontáveis armadilhas, e erra-se sempre na valoração que se faz de espíritos e obras. Rousseau não pode ser compreendido através de seu infame Du contrat social, ou através daquela que, segundo ele mesmo, é sua obra mais importante. Compreende-se Rousseau somente quando se confronta este Émile com a nota biográfica que carece a maioria das edições: o autor que escreveu um volume de oitocentas páginas ensinando como devem os outros educar seus filhos mandou os cinco que teve para um orfanato.
A língua entranha-se no próprio pensamento
Nunca escrevi uma linha em inglês, entre as centenas de milhares já saídas de minha cabeça, que não fosse a tradução de um pensamento concebido em português. Nem mesmo num e-mail. E imaginar a batalha travada por tantos escritores do último século, que adotaram voluntariamente uma nova língua para criar literatura… Não se pode conceber um escritor para o qual a língua se limite a um veículo de expressão. A língua entranha-se no próprio pensamento, que através dela se constrói. A estrutura lógica do pensamento não se calca senão na estrutura sintática da língua em que é modelado; são ambas inseparáveis, não podendo a primeira medrar sem a segunda. As palavras, em diferentes línguas, sucedem-se e organizam-se de maneiras distintas; uma evidência não de uma diferença formal, mas de uma distinção entre o gênio dos homens que nelas se desenvolvem. Alterá-lo, já velho, parece um choque de tremendas proporções.
A discussão sobre a cesura
A discussão sobre a cesura pode facilmente ser suprimida da versificação portuguesa, sem prejuízo nenhum para a compreensão da técnica poética. O querer abordá-la, aliás, é o erro em que recaíram muitos estudiosos, que acabaram por meter-se em situações dificílimas, visto não haver que falar em cesura ante versos balizados apenas pela contagem silábica, como a maior parte dos praticados em português. Nestes versos, o risco de falar em cesura é confundi-la, como tantos fizeram, com o simples acento. A cesura só se justifica quando corta, e cortar é separar, dividir, estabelecer limites dentro do verso. Faz sentido enquanto impacta a técnica construtiva, e é absolutamente ociosa quando não indispensável para a sua compreensão. Em português, o que se percebe é que, salvo nos chamados versos compostos, pouco praticados e muito condenados por incompreendidos, nos quais hemistíquios independentes exigem uma cesura clara que os delimite e lhes faça a técnica inteligível, não há necessidade de se falar em cesura, e assim evita-se muita confusão.