O intelectual morre no instante em que perde aquela curiosidade característica do jovem estudante, sedento por aprender. Não se baseia em outra coisa a própria atividade intelectual, que exige esforço permanente, entusiasmo pelo desconhecido e vontade de investigá-lo e apreendê-lo. É por isso que, a despeito de quanto lhe suceda, o intelectual não poderá jamais permitir que se apague esta chama, do contrário, juntamente dela se apagará.
O que faz a recentíssima inteligência artificial…
O que faz a recentíssima inteligência artificial é impressionante. O que vislumbramos que pode fazer, ou melhor, o que seguramente sabemos que fará em pouco tempo, é ainda mais. Por isso, há muitos a suspeitar que esteja a literatura ameaçada, ou que os autores, de certa forma, serão “superados” pela máquina e se tornarão irrelevantes. Isso é, decerto, algo falso. Avance o quanto avançar, aprimore-se tanto quanto possível, mas a inteligência artificial jamais se livrará do adjetivo que lhe está colado. Por este motivo haverá sempre um limite para aquilo que poderá fazer, haverá sempre a impossibilidade de que expresse algo que manifeste uma experiência individual, real e única, algo que sirva como a concretização de uma consciência que evolui e se registra no tempo através das letras. E que a tal inteligência se aprimore! que atinja níveis de espetacular acurácia! Assim ficará mais claro do que nunca aquilo que, em arte, é artifício, e aquilo que é substância.
Não há poesia bucólica brasileira
Não há poesia bucólica brasileira. Se aqui já fizeram versos deste feitio, foi apenas pelo exercício e pelo prazer da imitação. Cenário idílico nos campos, aqui não passa de piada. Os portugueses, mais do que por terem dominado os mares, merecem respeito eterno por terem suportado o insuportável mato brasileiro, por essência intratável, dotado de um vigor que o homem jamais dominará. É preciso bravura e coragem, mas são ambas insuficientes. Cubram-se os matos de cimento, mas sobre o cimento perdurarão os insetos; e as cobras, os ratos, as aranhas, os escorpiões também haverão de aparecer. Inundem tudo, e todas as espécies transmutarão e continuarão a estorvar sob novas formas debaixo da água. Seja esta gelada, e debaixo dela continuará a fazer calor… É isso, não há mais o que dizer.
A primavera
Um brasileiro só pode mirar com um sorriso toda essa exaltação de séculos feira às belezas, às flores e às cores desta tal primavera. A primavera representa, no Brasil, a chegada de um calor intolerável e uma infestação súbita de insetos. Representa, também, o adeus ao friozinho que só fazia reforçar a crença de que Deus é verdadeiramente e sempre bom. No Brasil, primavera é o nome que se dá para a união entre mosquitos, formigas, abelhas, grilos, vespas, baratas e todas as demais variações do mesmo estorvo que a imaginação divina foi capaz de conceber, que invadem simultaneamente os ambientes enquanto tentamos expulsá-las em transpiração intensa, respirando um ar abafado e com a sensação de que a substância da pele está a evaporar. A primavera, enfim, chega para lembrar-nos o quanto a detestamos.