Não há poesia bucólica brasileira

Não há poesia bucólica brasileira. Se aqui já fizeram versos deste feitio, foi apenas pelo exercício e pelo prazer da imitação. Cenário idílico nos campos, aqui não passa de piada. Os portugueses, mais do que por terem dominado os mares, merecem respeito eterno por terem suportado o insuportável mato brasileiro, por essência intratável, dotado de um vigor que o homem jamais dominará. É preciso bravura e coragem, mas são ambas insuficientes. Cubram-se os matos de cimento, mas sobre o cimento perdurarão os insetos; e as cobras, os ratos, as aranhas, os escorpiões também haverão de aparecer. Inundem tudo, e todas as espécies transmutarão e continuarão a estorvar sob novas formas debaixo da água. Seja esta gelada, e debaixo dela continuará a fazer calor… É isso, não há mais o que dizer.

A primavera

Um brasileiro só pode mirar com um sorriso toda essa exaltação de séculos feira às belezas, às flores e às cores desta tal primavera. A primavera representa, no Brasil, a chegada de um calor intolerável e uma infestação súbita de insetos. Representa, também, o adeus ao friozinho que só fazia reforçar a crença de que Deus é verdadeiramente e sempre bom. No Brasil, primavera é o nome que se dá para a união entre mosquitos, formigas, abelhas, grilos, vespas, baratas e todas as demais variações do mesmo estorvo que a imaginação divina foi capaz de conceber, que invadem simultaneamente os ambientes enquanto tentamos expulsá-las em transpiração intensa, respirando um ar abafado e com a sensação de que a substância da pele está a evaporar. A primavera, enfim, chega para lembrar-nos o quanto a detestamos.

É curioso observar que há faixas etárias…

É curioso observar que há faixas etárias que, devido à cumulação da experiência, propiciam, com enorme frequência, movimentos decisivos de teor semelhante. Precede a vida propriamente adulta uma decisão que corrobore ou rompa de vez com as aspirações da adolescência; a meia-idade reforça tal decisão ou, em casos nos quais foi esta postergada, oprime violentamente em razão da covardia do adiamento; já a velhice chega com a possibilidade única da síntese ou, no mínimo, com a última possibilidade de afirmação por caminhos não trilhados. E nota-se, repetidamente, que tais arcabouços, amparados em similares classes de vivência, produzem resultados também similares em teor, embora individualizados a depender das rotas palmilhadas. O fator idade, portanto, mostra-se fundamental e sobremaneira instrutivo na análise do homem.

Algo além da mera conveniência

Toda profissão exige, a partir de um certo momento, algo além da mera conveniência para que seja bem exercida. Tal ocorre de praxe quando a novidade desaparece da rotina, tornando-se esta a execução de tarefas já executadas na véspera. Então, caso não haja um motivador para além daquilo que se aufere por executá-las, caso não se extraia alguma satisfação no próprio exercício diário, o ofício torna-se insuportável, o exercê-lo torna-se enfadonho, angustioso, torturante. Assim que parece ao insatisfeito ter de escolher, de duas, uma: abandoná-lo ou sucumbir. Não se pode, pois, dar outro conselho senão o de que uma profissão deve ser escolhida tendo em vista sobretudo a satisfação que dela se pode extrair: no fim, tudo o mais que dela se poderá obter estará atrelado à existência dessa possibilidade, ou não.