A modernidade, apesar do aparente aumento de complexidade que concedeu a toda sorte de ideologias, simplificou-as de tal forma que hoje pode-se, tranquilamente, resumir o debate ideológico às boas e más intenções. Dizer que não se pode reduzi-lo a tal maniqueísmo é negar a ostensiva guerra axiológica que o ampara e se manifesta a cada palavra proferida e a cada linha escrita. Todo o resto é secundário ou irrelevante.
Quando se perde um rascunho
Quando se perde um rascunho, mas persiste na memória aquilo que foi esboçado, dá-se algo interessante. Percebe-se ser possível restaurar o rascunho percorrendo novamente as mesmas etapas do raciocínio que o concebeu; mas não ser possível restaurá-lo palavra por palavra, exatamente como era. Nota-se, então, que algo se perde no processo. Disso conclui-se que se pode dizer o mesmo um dia após o outro, renovando-o pela maneira como se diz; contudo, fica entranhada neste como a singularidade do momento em que se disse e, enfim, o rascunho perdido é mesmo o momento que se foi…
O iniciante elogia com facilidade
O iniciante elogia com facilidade e dificilmente critica. Isto se dá porque o elogio mais condiz com sua admiração de algo que, se compreende, sente para si ainda inalcançável; já a crítica exige-lhe um conhecimento e uma segurança que não tem. Com o experiente, dá-se o contrário: a crítica é-lhe natural, quase automática, e o elogio lhe exige a rara virtude de reconhecer no outro, apesar do próprio conhecimento, uma capacidade que talvez não tenha. O iniciante cresce, portanto, habilitando-se à crítica, enquanto o experiente o faz aprendendo a elogiar: ambos, em suma, contrariando aquilo que lhes é mais fácil.
Os verdadeiros artistas e os verdadeiros filósofos…
Os verdadeiros artistas e os verdadeiros filósofos têm em comum ser-lhes a obra resultante da reflexão sobre a experiência. Desta, em ambos, brota a necessidade de expressão que, em cada um, se concretiza diferentemente. Quer dizer: é através da reflexão que descobrem o que dizer, e após ela que experimentam a sensação de ter de dizer. O resto é o como fazê-lo — o menos importante. Mas esse impulso inicial que os une atesta a verdade daquilo que fazem e os diferencia de todos aqueles que, pelos mais diversos motivos, perpetuam a falsificação.