A consciência de que a morte nunca está tão distante quanto se gostaria ou, antes, de que é uma realidade próxima, infunde no homem um senso de responsabilidade e urgência que, de outra forma, não pode ser alcançado. Tais qualidades são indispensáveis em grandes espíritos; sem elas, a escala de prioridades se distorce, o ato se posterga ou, no mínimo, não se executa com a devida seriedade. A grande obra é sempre precedida da percepção de sua importância e da necessidade de sua realização.
Nada parece tão impressionante…
Nada parece tão impressionante quanto a série de coincidências que, em casos frequentes, impele o homem à obra. A impressão que ficamos é de haver, para cada alma, uma missão, de forma que esta, se não encontrada, se não buscada voluntária e conscientemente, de modo algum fica prejudicada, posto que as circunstâncias, em último caso, acabam forçando a sua execução. Disso vemos como é natural aceitar a hipótese da predestinação. Há casos em que nos deparamos com eventos tão transformadores e tão decisivos, que ficamos com a sensação de que, querendo ou não, o homem, no curso de sua vida, acaba sempre se tornando aquilo que nasceu para ser.
A poesia não deve ser cantada
Abrimos a janela e escutamos, da rua, a asseveração enfática de que a poesia não deve ser cantada. E da rua asseveram, também, como se deve declamá-la. Então buscamos um compêndio de poemas aleatório da prateleira. Abrimo-lo, mentalizando intensamente que “a poesia não deve ser cantada”. Para nossa infelicidade, porém, já no índice deparamo-nos com cantos, cantigas, cânticos, canções, e temos de fechá-lo imediatamente antes que nosso cérebro colapse. É muito pensamento racional! Da rua, ouvimos que aquele que canta um poema parece uma criança. Realmente, impressiona… Só com muito esforço conseguimos vencer tal disparate, quando enfim nos atemos ao óbvio: uma criança canta um poema porque, lendo com naturalidade, é impelida a cantar pela estrutura rítmica dos versos. Canta-o, em suma, por ainda não ter sido estragada por um adulto qualquer.
A pausa obrigatória no fim do verso
Se um poema é declamado sem que se respeite a pausa obrigatória no fim do verso, pausa que caracteriza o próprio discurso poético, esconde-se do ouvinte sua estrutura. Fazendo-o, é impossível que o ouvinte diferencie o verso branco do livre, e ambos da prosa. É impossível, também, que distinga um verso metrificado, e muito menos que defina em qual metro foi construído, salvo, nalguns casos, pela rima. Ignorar a pausa no fim do verso é anular o distúrbio estrutural intencional gerado por cavalgamentos; portanto, é anular-lhes o próprio efeito. É ocultar a harmonia — ou a falta dela — resultante da disposição dos termos oracionais nos versos. Quer dizer, se um poema é lido tendo a pontuação como única referência, ele é lido como prosa. E um poema lido como prosa é, simplesmente, transformado em prosa. Convém refletir: fosse esse o objetivo, bastaria que o poeta escrevesse em prosa aquilo que, intencionalmente, optou por estruturar em versos — o que lhe acarretou, esperamos, um considerável esforço adicional.