Parece que os traços colocados por Dostoiévski, especialmente, na personalidade de Míchkin seriam inconcebíveis para alguém que nunca os observou atuantes na vida real. Inconcebíveis porque pareceriam absurdos e nada convincentes. Mas aí está: essa inocência que aparenta não sendo estupidez, essa absoluta falta de espanto, essa benevolência sem limites, esse falar que erra na escolha das palavras, esse agir meio tímido, meio confuso, que parece indeciso e tanto gera estranhamento… Toda essa complexidade que sempre aparenta aquilo que não é, somada ao olhar de quem sabe e aceita, sem medo, sem surpresa, sem julgamento e sem reação, induz quem a observa a uma perplexidade que a lógica é incapaz de explicar. O raciocínio não admite o que vê e, faltando-lhe explicação melhor, põe tudo na conta do desvario e do absurdo. Míchkin, porém, é real, e contrariando as expectativas de uma raça aprisionada na mesquinhez de espírito, mostra que a alma humana, elevando-se, despega-se do que lhe prende ao chão.