Toda a minha ainda minúscula produção literária é fruto de uma perseverança que nunca tive para nenhuma outra atividade. Devo, admito, de prestar honras aos abafadores de ruído, invenção infinitamente mais útil que, por exemplo, o telefone: quando sobrepostas unidades de diferentes modelos, produzem paz e resolvem grande parte de meus problemas. Porém, se analiso com mais cautela, encontro-me toda a realidade hostil ao meu ato de escrever. É sábado: ao brasileiro, dia de álcool e socialização. Encontro-me, neste exato momento, com o notebook em cima de uma caixa de sapatos assentada, por sua vez, sobre um criado-mudo na extremidade de meu quarto; sento-me numa cadeira que mais parece um banco: baixa, desconfortável, sem apoio para as costas; e minhas pernas encontram-se imóveis, encaixadas cada uma num espaço de não mais de quinze centímetros no vão que se abre, de um lado, entre a parede e o criado-mudo e, de outro, entre este e minha cama. “Isso é piada. De um lugar assim, jamais sairá qualquer arte…” — mas não acabou: um carro, na rua, reproduz em alto volume qualquer música sertaneja; uma vizinha grita ao telefone — obstinada, quer penetrar minha mente, mas sorrio, pois sei que ela não irá… — Pensei, há alguns meses atrás: “Em minha condição atual, é impossível escrever”. Mas daqui, deste espaço apertado, desconfortável e barulhento saíram quase todas as minhas poucas centenas de páginas, em poesia e prosa. Não há silêncio — nunca!; —não há uma cachoeira a rumorejar agradavelmente próxima a mim; a vista, de minha janela, é de um cinza vandalizado, cercas elétricas e em espiral, fios emaranhados pendendo de postes, janelas quebradas há anos e nunca restauradas, entre outras minúcias desagradáveis. Escrever, concentrar-me a escrever, a produzir arte, é um ato de rebeldia frente a tudo quanto me rodeia; é, essencialmente, uma recusa terminante e total. E tenho, neste pouco tempo de trabalho, pagado o preço em diferentes moedas. Não há recompensa, não há prospecto favorável e o tempo empregado nestas linhas seria infinitamente melhor empregado, aos olhos do mundo, em qualquer outra atividade. Pois bem, mundo estúpido: nunca me senti os esforços tão honrosos quanto agora!
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