De Pessoa:
Nada me pesa tanto no desgosto como as palavras sociais de moral. Já a palavra “dever” é para mim desagradável como um intruso. Mas os termos “dever cívico”, “solidariedade”, “humanitarismo”, e outros da mesma estirpe, repugnam-me como porcarias que despejassem sobre mim de janelas. Sinto-me ofendido com a suposição, que alguém porventura faça, de que essas expressões têm que ver comigo, de que lhes encontro, não só uma valia, mas sequer um sentido.
Como é deliciosa essa sinceridade inconveniente! Há trechos de Fernando Pessoa que, publicados hoje, pô-lo-iam na cadeia. Mas como insulta essa noção estúpida de que naturezas inteiramente diferentes são semelhantes! Se ainda se limitasse a uma noção… mas o que há é uma imposição de valores, uma exigência feroz dos homens inferiores de que todos lhe sejam congêneres, algo inaceitável para um espírito superior. Por mais energicamente que reivindiquem e apregoem essa paridade fantasiosa, por mais que a vitória seja unanimemente cantada, haverá sempre um contraste de interesses insuperável. Bradem, vociferem, castiguem, o que for!, nada fará dissipar o desprezo que lhes será sempre direcionado.